Parágrafos Críticos - Olar, Universo!

Por Farofa Crítica
06/03/2021

 

Nos dias 20, 21, 27 e 28 de fevereiro de 2021, Heloísa Sousa e Diogo Spinelli, do Farofa Crítica. ministraram a Oficina Online de Crítica Teatral, em formato virtual e gratuito, com os recursos da Lei Aldir Blanc Rio Grande do Norte, Fundação José Augusto, Governo do Estado do Rio Grande do Norte, Secretaria Especial de Cultura, Ministério do Turismo e Governo Federal. A oficina recebeu alunos de diferentes estados do país como Rio Grande do Norte, Pernambuco, Sergipe, Ceará, Rio de Janeiro e São Paulo.

Além das discussões teóricas, foram desenvolvidos exercícios práticos de escrita de parágrafos críticos a partir de duas obras cênicas: “Olar, Universo!” de Luciana Paes (SP) e “Pelo Pescoço” de Daniel Torres e Ana Claudia Albano (RN). "Olar, Universo!"  está disponível e poder ser vista no canal de Youtube do Sesc São Paulo: https://youtu.be/LNHmnrOxKSg   

Seguem abaixo alguns parágrafos escritos pelos participantes e discutidos nas aulas sobre “Olar, Universo!”.

 

Olar, Universo!

por Álvaro André Zeini Cruz

Um corpo. Um espaço. Uma mulher. Um apartamento. Uma atriz. Um palco. Dicotomias atômicas e anatômicas, postas entre latências e agitações que pululam pelo jardim de veredas que se bifurcam. Entre as dobras do percurso, o conjunto de átomos, que culmina no corpo/imagem humana, incorpora (e extravasa) caricaturas: a narradora de um futuro documentário, a animadora de um programa de auditório, a jogadora de um reality show, a mulher que baba ódio dentro e fora das redes sociais. De um passeio por dinossauros na névoa a um farfalhar de tecidos videográficos (átomos que se decompõem, se reorganizam e se agitam de novo), o rosto surge no close de um sujeito/objeto do olhar que encara o horror rente a vista (esse horror somos nós?). Depois, sob a luz de uma lanterna, esse mesmo rosto se duplica, dividindo-se entre a matéria de um agora-futuro e a sombra distorcida de um passado morto-enterrado. Mas, se os átomos são minúsculos, o tempo é uma imatéria movediça e escorregadia, a ponto de penetrar e perpassar do corpo ao rosto, que encerra decrépito sob a luz negra, como se manchado por todos os vírus, bactérias e podridões possíveis. Esse rosto elucubra que “a ficção uniu os sapiens às ideias, que podem cooperar ou matar”. Então, vocifera delírios labirínticos sublimes OU grotescos, utópicos OU pragmáticos, repletos OU vazios. Termina sem voz, apenas rosto-caveira, quebrando a parede de vidro da câmera, que se desvencilha em direção ao crematório. A ficção, as ideias, os sapiens, cooperados para morrer e matar.

 

[Sem título]

por Maurileni Moreira

Uma das maiores perguntas da humanidade sempre foi: Quem sou eu? E O que eu vim fazer aqui? Nesse caso, Luciana Paes sabe muito bem do que ela é. E sua resposta parte do como essa existência se materializa: um combinado de átomos, seres minúsculos que dão substancialidade à sua constituição física. O termo referido ‘substancialidade’ remete-nos à substância, que, no nosso dicionário descreve ser ‘qualquer espécie de matéria’: sofá, parede, mesa, nós. Tudo e todos partem desta mesma propriedade física. A diferença desta obra cênica se concentra não no espanto em se saber ser átomo, mas em quê esta nossa constituição celular tem nos tornado assim tão diferente dos outros seres e coisas que habitam/habitaram a Terra. A transmissão do trabalho cênico Olar, Universo, na programação #EmCasaComSesc, traz ao observador (para utilizarmos um termo quântico, compreendendo a importância de quem observa colapsar a função de onda, ou seja, escolher aquilo que quer ver) a obra inspirada nos livros ‘A breve história de quase tudo, de Bill Bryson, e ‘Sapiens’, de Yuval Noah Harari aproxima o espectador quase como uma aparição fantasmagórica que coabita imagens e cenários que vão desde uma cena de suicídio (ou desintegração da matéria) até uma alusão a rituais em volta da fogueira. Mecanismos de informações que apontam as grandes perguntas feitas ao homem. Então, por que não a temos respondido? Por que temos utilizado esta máquina humana para operar negacionismos científicos; em um século onde podemos observar a Ciência dar respostas àquelas questões existências que atravessaram milênios, gerações? 

 

Teatro em 1080p

por Alexandre Antas

Os espinhos que compõem o entorno do Sars-Cov-2 são compostos por Proteína S, uma proteína é um conjunto de átomos, um átomo de Carbono mede 0,22 nanômetros, 1 nanômetro mede 1e-7 centímetros, ou seja, 1 centímetro equivale à 10000000 nanômetros. Eu sou um homem, um homo sapiens sapiens do sexo masculino que mede 1 metro e 98 centímetros, ou seja, eu meço 1,98e+9 nanômetros. Por conta da pandemia causada pelo novo Coronavírus, passamos a assistir produções teatrais por meio dos nossos computadores, smartphones, smart tvs, ou qualquer outro equipamento dito “smart” que seja, em pixels, 1 pixel mede aproximadamente 0,026 centímetros, para se ter uma imagem “high definittion” deve-se ter pelo menos 750 pixels sendo gerados, eu, um homo sapiens sapiens do sexo masculino que mede 1,98e+9 nanômetros optei por assistir “Olar Universo!”, obra interpretada por Luciana Paes, em 1080 pixels que mede aproximadamente 28,575 centímetros. Por conta de um conjunto de atomos medindo 0,22 nanômetro que formaram uma proteína de um vírus a experiência teatral se tornou robotizada e midiada, a obra definitivamente é simpática, mas eu, um homo sapiens sapiens do sexo masculino que mede 1,98e+9 nanômetros não aguento mais ver teatro em 28,575 centímetros (talvez eu deva mudar a definição).

 

Átomo crítico de evolução

por Caio Machado

Saindo do clichê e saturado sentimento que o formato das lives proporcionou em 2020, “Olar Universo!” traz a história da evolução da humanidade recheado de críticas e referências célebres a respeito do que a raça humana se tornou. Em um plano sequência criativo e audacioso, a obra traz um texto conciso (e com sarcasmo em alguns momentos) acompanhado de elementos visuais e sonoros que auxiliam na narrativa contada por uma mulher com muitas informações na cabeça - um sinal da reflexão causada pela reclusão imposta pela quarentena do Covid-19? Foi o que eu fiquei me perguntando.

Ao longo do texto, é vomitado citações científicas (às vezes acessíveis, às vezes nem tanto) para narrar a evolução da espécie humana, com menção até aos dinossauros, - focando indiretamente na sua complexidade e trazendo o questionamento de “pra quê tudo isso se o resultado foi esse”? No final da obra, de forma amedrontadora no meu ver, a personagem promove um discurso com referências e alusões ao texto com falas ditas ao longo da existência humana.

Uma obra cheia de átomos e reflexões que ultrapassam o tempo da exibição e representam uma fração para o Universo. Mas tempo? Que tempo? 

 

Estou com Luciana em “Olar, Universo!”

por Edla Maia

Luciana olha para a câmera.  Olha e conversa com a câmera.  A câmera sou eu? Me pergunto. De repente, estou no mesmo apartamento em que Luciana está. Tão a vontade como Luciana está, que sou quase capaz de pegar um copo de água do filtro de barro ao fundo do primeiro quadro. O lar é o universo, e estamos presas naquele apartamento com muito espaço para pensar sobre a complexibilidade da existência humana. O nada|o antes|o tempo e a voz que ecoa em nossa mente conduzindo essa narrativa sobre a escalada do universo. A pergunta que me faço é outra, agora: Preciso descobrir também como vim parar aqui? Olá, universo! Aceno junto com as inúmeras possibilidades de movimentar as mãos que desenvolvi através da E- V-O-L-U-Ç-Ã-O. OS dinossauros espalhados pela casa nos lembram que tudo isso pode vir abaixo a qualquer momento. E que todo o esforço invisível e gigantesco movido pelo universo de ordem e agrupamento de átomos para criar coisas e pessoas incríveis, pode parecer inútil se olharmos para alguns humanos que são mesmo um grande vazio. 

 

Em que ponto do universo se tocam a ciência e o teatro? 

por Thereza Helena 

Seremos capazes de identificar quando estivermos construindo o novo cânone da prática teatral a ser problematizado por nós, pessoas de teatro? 

Uma vez adormecida a questão sobre ser ou não ser teatro esses experimentos cênicos que vem ocupando espaços virtuais durante a pandemia de Covid- 19, uma dentre tantas perguntas que “Olar, Universo!” apresenta para mim é: o que assimilamos durante esse um ano de exercícios de espetáculos em rede? Embora pareça uma pergunta retórica, o convite para a reflexão é real. Pense, você que me lê neste momento, um pouquinho sobre o tema.

 

Espaço reservado para pensar, anotar, inquirir





 

Voltando. Da perspectiva da encenação, observo que o flerte com o áudio visual é muito sedutor e que de repente se eu tivesse assistido muito mais filmes experimentais, estudantis e icônicos talvez e pudesse estar mais preparada para este momento. Embora a inexperiência não me encoraje a nada além de um palpite, arrisco que o enquadramento frontal, quase naquele modelo de foto 5x7 que pega a face, mas também uma parte dos ombros, tem me parecido recorrente nas montagens, uma vez que dá pra ver bem o rosto, um pouco do figurino e do cenário ao redor, além de coincidir com o ângulo que a câmera do computador pega, quando está numa posição mais convencional, como sobre a escrivaninha, por exemplo, não é algo que apresente muitas possibilidades e Luciana Paes contradiz essa percepção recorrente em outras obras e faz o movimento oposto, de modo que o operador da câmera parece ter uma partitura própria para compor junto com a atriz. 

E da perspectiva da dramaturgia? Da atuação? Da audiência? Afinal parece ser esse o nosso theather people problem da vez. E infelizmente, dada a inoperância do combate a pandemia, parece que ainda teremos um longo período para essa investigação.

 

“Olar, Universo!”, de Luciana Paes (SP)

por Zana Venâncio 

O espetáculo "Olar, Universo!", foi forjado na criatividade de tempos difíceis. Sua concepção se deu pela influencia dos livros: A Breve História de Quase Tudo e Sapiens; obras que trazem em suas apresentações conteúdos   científicos gerais sobre o universo e as grandes perguntas feitas pelo humanidade. Em tempos de isolamento social e necropolítica, a atriz Luciana Paes e o diretor de fotografia Otávio Dantas, resignificaram o espaço do lar abrigo em um cenário perfeito para esses longos dias de Teatros fechados e isolamento criativo. Em meio a dinâmica da casa, celular tão presente, chão, luzes, sofá, livros de saberes pisoteados, computador, tudo desafiador e brilhantemente usado e fundido no desenrolar da cena. Entre átomos e universo, dinossauros e neandertal, muitos questionamentos de quarentena, evoluímos (?). E chegando ao fim desse partilhar gentil e perturbador da atriz, ouço o crepitar do fogo, que é reproduzido pelo computador, e uma pergunta fica girando em minha cabeça: seremos nós os próximos dinossauros? Provavelmente tudo é apenas uma questão de tempo.

 

[Sem título]

por Victor Cecílio

Na famosa tragédia grega, Édipo é aquele que havia sido coroado rei ao responder corretamente o animal sobre o qual a esfinge perguntava em seu enigma. O animal, no caso, é o homem. O fato de ninguém antes de Édipo ter acertado a resposta, pondo fim à matança da esfinge, é um símbolo da falta de conhecimento do humano sobre si mesmo. No entanto, pouco depois da coroação de Édipo, a cidade é devastada por uma pandemia. Édipo, que sabia tanto sobre o homem, não sabia sobre si. O enredo de Édipo Rei já é bem conhecido, o monarca fica a peça inteira tentando achar o responsável pela pandemia cujo causador é o próprio.

Um par de milênios depois, estamos diante de uma nova pandemia e Luciana Paes nos presenteia com uma palestra-performance sobre a história do universo, do homem e tudo mais. Dentro de um apartamento, em medida de isolamento social, a atriz se propõe a pensar o ser humano e é um fato muito interessante que, diante dessa limitação espacial, o pensamento se expanda para abarcar todo o universo. Diante de tantos problemas prementes, a análise chega à profundeza de um átomo e tão longe quanto os princípios da vida e da espécie humana.

Sob a pressão de uma sociedade ansiogênica na qual não nos faltam enigmas urgentes a resolver, somos convidados a pensar sobre a calma inorgânica de um átomo. Desejamos ser átomo, esta partícula ínfima sobre a qual é possível ter conhecimento certo. Queremos ser humanos. Não isso que somos hoje, mas aqueles que se reuniam em volta de uma fogueira para contar histórias e pintavam as paredes com suas fezes. Isso que somos hoje é tão complicado e ainda ameaça nos devorar se não entregarmos respostas.

Esse formato, meio palestra motivacional, é aquilo que buscamos, pois queremos respostas. Mas a gente ri, porque a dramaturgia explora de forma genial as limitações e a ingenuidade do formato escolhido. O texto torna-se ainda mais interessante por aquilo que não consegue entregar. Somos, na artista, como Xerazade. Entretemos a esfinge para que ela não nos devore.

 

Universo dentro da gente!

por Amanda Majuí

Olar, universo! é uma peça de 2020, ano pandêmico que assola o mundo e põe em cheque a relação que temos com a vida, com a forma de viver. A peça ganha beleza inicialmente por tratar de toda uma dimensão científica apenas dentro de um apartamento pequeno,  uma casa como a nossa que ganha uma viagem no tempo a partir da riqueza da interpretação da Luciana Paes, dos objetos comuns a qualquer casa mas que estão com um poder gigante dentro desta narrativa envolvente de mostrar que há bilhões de anos, talvez até por acidente, estamos se transformando e nesse processo de "evolução humana" e das relações sociais o texto traça diversos atravessamentos críticos, que na era atual da banalização da vida e adoecimentos, diversos se tornam cruciais. Você vivo é uma prova de resistência de milhares de ano, é um ser único, vivo, um universo!

 

 

Foto banner: Luciana Paes

Foto capa: Otávio Dantas

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