Cida, continua seguindo...

Por Paul Moraes
20/01/2017

Quero, logo de início, esclarecer que a crítica que penso e escrevo é uma janela de diálogo. Sim, pois, ao pensar sobre o que realmente desejo com minha escrita, qual sua ética, percebo que se faz necessário afirmar esse escrito como um ponto de encontro entre uma obra e quem a lê. Dessa forma, as leituras sobre a obra são geradas por parte de quem ocupa o lugar de espectador nessa conversa. Então, me pergunto, por que não fomentar através dessas janelas de diálogo discussões sobre as práticas cênicas?

Esclarecido meu desejo, me permitam agora dialogar sobre: Cida e sua trajetória.

Poderia ser uma pessoa, mas são um coletivo, um grupo de artistas independentes, assim eles tem se definido, que se unem para pesquisar e fazer das Artes Cênicas sua janela de diálogo. E sobre isso, gostaria de destacar essa resistência em tempos difíceis para a Arte e seus fazedores. Quero dar destaque também a um feliz movimento que tenho observado há alguns anos no cenário da cidade e que sou totalmente a favor, alunos que encontram seus pares na universidade e avançam para além dos muros da academia com suas obras e pesquisas, a exemplo disso: a Bololô cia. Cênica e a Sociedade T., grupos que figuram com resistência o fazer artístico potiguar.

E Cida, de onde vem? O Grupo Cida também surge desse movimento, Franco Fonseca, Matheus Gianinni e Naara Martis se unem para um projeto dentro da disciplina onde o Teatro Épico brechtiano é a principal discussão e decidem abordar a AIDS como temática propulsora da pesquisa cênica, consideremos que a proposta era que todos os grupos partissem de um mote social. Ao fim da disciplina, apresentam os resultados da pesquisa e decidem avançar...

É nesse momento em que nossas trajetórias se cruzam, já circulando, o espetáculo De onde vem e para onde vai Cida faz uma breve temporada na programação de fim de ano da Casa da Ribeira.

A viagem começa, somos recepcionados por uma tripulação que nos ajuda encontrar nossos assentos para começarmos uma excursão por uma dramaturgia dinâmica, fragmentada, uma aposta contemporânea, ouso dizer. O que me atrai. Tenho essa mesma sensação com a dramaturgia da luz que se vale muito bem do recurso  das sombras e potencializam a cena. A partir delas vou construindo empatia com a obra que diz muito mais que um grupo de pessoas que estão engajados em discutir na cena o universo marginalizado que está ao redor da SIDA - Síndrome da Imunodeficiência Humana Adquirida e do HIV... Parênteses.

(Sou nesse exato momento tomado por um flash de memória do dia em que assisti o espetáculo e  de quando um dos atores nos agradecimentos faz uma crítica aos que creem que ao abrir espaço para essa discussão, estão assim querendo fazer um teatro didático e engajado. Discordo. Discordo dos que pensam assim, vejo nessa obra um convite a uma experiência, e que por vive-la é normal que saíamos de lá um pouco educados sobre o assunto e feliz seria se engajados também. Sobre isso, afirmo perguntando, qual teatro não é exatamente engajado? Pois creio que o produto artístico como resultado da pesquisa é sempre o argumento concreto de uma opinião, crença, desejo, militância e para tudo isso, e necessário se engajar). Fecha parênteses.

 O espetáculo discute mais que o seu mote, discute de forma inteligente e bem humorada outros problemas que são denunciados ao longo da encenação, como: outras doenças (estou falando das mazelas que estão para além do corpo), politica, vida, arte. Tudo isso vai se construindo no tempo presente da encenação. Contudo, esse pontos positivos as vezes me parecem ser fragilizado por uma urgência que se controlada, agregaria uma potência a alguns momentos que a encenação parece se perder.

Para onde vai Cida? Vai pra onde quiser e desejar. Espero que deseje ir longe, que em nosso próximo encontro seja outra, que esteja ainda mais segura de seus quereres, que se lance cada vez mais adiante e mais profundo. Para ir me encerrando, me ocorre uma frase de Lygia Fagundes Telles, que li no rodapé de uma agenda e creio que diz à Cida tanto quanto diz a mim: “Espera que estou me aventurando na busca das descobertas.”

Não deixemos de seguir descobrindo.

 

Ficha Técnica:

Elenco: Franco Fonseca, Matheus Gianinni e Naara Martis.

Dramaturgia: Franco Fonseca e Naara Martins

Iluminação: Franco Fonseca

Músicas: Naara Martins

Direção: Franco Fonseca

 

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