Vibrar a Carne

Por Heloísa Sousa
16/10/2024

Esse texto faz parte da cobertura crítica da décima edição do Junta Festival - Dança e Contemporaneidade, realizado em Teresina (PI) entre os dias 15 e 20 de outubro de 2024. Para esse texto, as críticas de arte Heloísa Sousa (Farofa Crítica, RN) e Alana Falcão (Revista Barril, BA) fizeram uma primeira conversa pelo whatsapp, após o espetáculo, e a partir daí escreveram seus textos individualmente, que estão postados tanto no site do Farofa Crítica quanto no site da Revista Barril. 

 

PARTE 01 - Conversa de Whats

 

[23:04, 15/10/2024] Heloisa: Inhaí ????

[23:05, 15/10/2024] Alana Falcao: Olha, devo dizer que fiquei surpresa de não ser um trabalho de agora

[23:05, 15/10/2024] Heloisa: pq?

[23:05, 15/10/2024] Heloisa: mas 2022 num é tão “não agora” assim rsrs

[23:06, 15/10/2024] Alana Falcao: 2020

[23:06, 15/10/2024] Alana Falcao: Era pra estrear em 2020

[23:06, 15/10/2024] Heloisa: Aaahh tá, já tava “pronto” em 2020, agora entendi… achei que tava no processo

[23:06, 15/10/2024] Alana Falcao: Bem, acho o "Brasil" voltou como pauta dos trabalhos

[23:07, 15/10/2024] Heloisa: Se tivesse estreado mesmo em 2020 acho que adiantava várias coisas… pq percebo ali um lance de unidade de movimento que vejo repetindo em vários outros trabalhos mais recentes… acho isso uma coisa importante de pontuar

[23:07, 15/10/2024] Alana Falcao: Pra mim esse trabalho tem várias declarações, vários experimentos sobre o Brasil.

[23:07, 15/10/2024] Heloisa: Sim!

[23:08, 15/10/2024] Heloisa: Tu viu o último do Cena 11? Acho que ecoa muito nisso… mas acho que aqui tem uma síntese mais forte, e uma dramaturgia bem sofisticada

[23:09, 15/10/2024] Alana Falcao: Faz sentido! Em "Uirapuru" do Marcelo Evelin - que não vi mais que teasers - parece ter também essa unidade básica

[23:09, 15/10/2024] Heloisa: Huuum

[23:09, 15/10/2024] Heloisa: Tipo “um passo só” né?

[23:09, 15/10/2024] Heloisa: Pode falar “passo”? ????

[23:10, 15/10/2024] Heloisa: Tava me perguntando tipo, “com quantos passos se faz uma dança?” ????

[23:12, 15/10/2024] Alana Falcao: Não vi o do C11, mas nesse aqui o lance do monstro é uma espécie de arquétipo do Brasil: um negócio sem contorno, que basta que a gente submeta a algumas repetições, agite ou ralente um pouco e a coisa já se corrompe no bom sentido. Já se torna outra. Ou seja, mesmo no que parece uma certa unidade básica essencial do trabalho(o toré, por exemplo), rapidamente a coisa há de se tornar outra.

[23:13, 15/10/2024] Heloisa: Huuum

[23:13, 15/10/2024] Heloisa: Não tinha visto o lance “monstro” por aí

[23:13, 15/10/2024] Heloisa: Não real eu não tinha conseguido decantar o lance do “monstro” no título, nem da primeira vez e nem agora

[23:14, 15/10/2024] Heloisa: Mas tbm não senti que isso prejudicava minha fruição, então segui

[23:14, 15/10/2024] Heloisa: Mas, sim, tbm vejo isso da transformação da unidade… acho que tem uma ênfase na composição… as coisas não são várias coisas, várias unidades… mas várias formas de combinação das mesmas coisas

[23:15, 15/10/2024] Alana Falcao: Monstro como algo morfologicamente heterodoxo, acho. 

O Brasil é monstro. E é monstro nesse sentido tbm

[23:15, 15/10/2024] Alana Falcao: Pode haha

[23:15, 15/10/2024] Heloisa: Não lembro onde tava lendo isso… acho que era alguma formalista russo aí, de que não existe “criar” imagem, todas as imagens já foram inventadas… o que existe é o gesto de reposiciona-las… trocar imagem por movimento e temos algo aí

[23:15, 15/10/2024] Heloisa: Talvez

[23:16, 15/10/2024] Heloisa: Aah massa isso

[23:16, 15/10/2024] Heloisa: Metamorfose

[23:16, 15/10/2024] Heloisa: !!!!!!

[23:17, 15/10/2024] Heloisa: poética monstruosa

[23:17, 15/10/2024] Heloisa: e nosso monstro é bem promíscuo né

[23:18, 15/10/2024] Heloisa: teve algumas coisas que me chamam muita atenção:

- a unidade do movimento

- ?a direção do olhar (primeiro pra fora, dps pra baixo e ainda pra dentro)

- ?a vibração da carne (os corpos nus tornam isso evidente)

[23:20, 15/10/2024] Alana Falcao: Basta deixar a célula mais simples que seja solta por ela mesma que ela vai se tornar outro negocio. Nisso a gente sai do toré prum coco (agora já não lembro se era coco, acho q sim), o círculo se mantém, cai em corridas, em ensaios de um arrasta-pé... Até o rebolar vira um negócio sinistro, olho e genitais se procuram e se afastam. E rebolar é bolar de novo e daqui a pouco temos os dois bolando no chão. Tem uma proposição pro rebolado do funk como um negócio sinistro, quebrado mesmo, que faz o corpo atirar, os quadris

[23:20, 15/10/2024] Alana Falcao: O olhar pra baixo!!!!!

[23:21, 15/10/2024] Heloisa: Siiiim! Eu vi esse lance do funk tbm

[23:21, 15/10/2024] Alana Falcao: E o chão vermelho, o Brasil da brasa e em algum momento o áudio crepitando

[23:23, 15/10/2024] Heloisa: Sinto que o vermelho compõe com o lance de “matéria corpo”, pq não tem roupa, e aí a cor do espaço é tbm a cor que veríamos por dentro da pele, então, sinto que tem um certo “avesso”, acho que a cor nos ajuda a ver a carne… uma vibração da carne

[23:24, 15/10/2024] Alana Falcao: Olhar pra fora no sentido de ele orienta as voltas/elipses. Eles dançam se espiralando e se olhando, depois isso se torna algo de cada um com o seu entorno e tem um momento grande de olhar pro chão. O que é olhar pro chão? É ter a cabeça baixa? É uma dança propositadamente não altiva, q não quer ver além, quer se ater aos pés, ao chão e aos olhos do outro

[23:25, 15/10/2024] Alana Falcao: Que massa isso, não tinha visto assim. Fiquei com a coisa da brasa e do corpo q vai até ficar da cor do chão

[23:25, 15/10/2024] Alana Falcao: Sendo assim o chão também é uma carne. A carne e não exatamente um "onde"

[23:26, 15/10/2024] Heloisa: Curioso que eu não vi nenhum traço de submissão nesse olhar… aí fiquei me perguntando que camada se acrescenta ao gesto (ou se retira) pra ver alguma “submissão”? Pq ali eu vi muito de seriedade mesmo, de alinhamento… dançar com o outro no começo, celebrar, e dançar no espaço depois, como “manutenção” de algo… a dança que sustenta sabe

[23:26, 15/10/2024] Heloisa: Isso!

[23:27, 15/10/2024] Heloisa: Eu tinha visto por aí

[23:27, 15/10/2024] Heloisa: Tem um lance de ser “contra interpretação” né? Um pouco (ou muito) nesse trabalho… mais erótico e muito pouco representativo

[23:29, 15/10/2024] Alana Falcao: O chão e as pessoas como parte da mesma carne.

[23:31, 15/10/2024] Alana Falcao: Sim, é total dramaturgia das sensações. Os sentidos que vao  se dando por aproximacao e deslocamento (que nem na dança)

[23:31, 15/10/2024] Alana Falcao: Tem uma declaração do junto  tbm

[23:31, 15/10/2024] Alana Falcao: Que acho q eh forte

[23:32, 15/10/2024] Alana Falcao: Seja com pouca ou muita gente. Mesmos sós, estão juntos (no sentido de ao mesmo tempo na mesma coisa)

[23:33, 15/10/2024] Heloisa: O lance do “par”, oq te chegou em relação a isso? Pq eu tinha dito que eu já tinha visto com os três… e o número três ajuda muito a compor um “mínimo” de comunidade né, mas mesmo com dois, eu já tava com o lance coletivo memorizado, e não me afetou

[23:33, 15/10/2024] Alana Falcao: O momento em que eles se trombam, quando o encontro se dá por uma série de esbarrões, achei foda

[23:33, 15/10/2024] Alana Falcao: chegou sim, muiiito

[23:39, 15/10/2024] Heloisa: eu acho essa obra foda… já tinha achado na Mit e agora vendo de novo, achei mais ainda

[23:39, 15/10/2024] Alana Falcao: Mas chegou não no sentido de casal, rs. Chegou como se eu tivesse vendo um monte de danças brasileiras como derivações infinitas sobre qm a gente é, de modo que um toré indígena e um forró arrasta pé são primos, só que com inflexoes e relações diferentes. Eu vi um pré forró ali ou um quase forró, sei lá. Essas danças como documentos ou arquivos de Brasil  (não sei se são boas palavras, kkkk, tô tentando). 

Interessante que aparece: 

O pulso rítmico 

O arrastar de pé 

O correr 

O vibrar

Quebrar, requebrar 

Socar (com braços como dança e com o sexo) 

Bolar, rebolar  

E o junto.

[23:40, 15/10/2024] Heloisa: combinações, combinatórias

[23:40, 15/10/2024] Heloisa: sim! Concordo com tudo isso que vc fala

[23:40, 15/10/2024] Alana Falcao: Sim sim sim

[23:40, 15/10/2024] Heloisa: E acho que isso diz muito sobre composição de modo geral… sobre com-por… pegar essas coisas e ir juntando e aglutinando

[23:40, 15/10/2024] Heloisa: Como princípio vital tbm

[23:41, 15/10/2024] Alana Falcao: Combinando mesmo com mesmo, mil vezes, vai dar em outra coisa

[23:41, 15/10/2024] Alana Falcao: Agora sobre o fim eu fiquei reflexiva...

[23:41, 15/10/2024] Alana Falcao: Siiiim

[23:41, 15/10/2024] Heloisa: Sabe que eu tava pensando esses dias na dança como uma derivada dos deslocamentos… dançamos pq nos deslocamos… essa coisa do “passo” que falei lá em cima… menos como passo de coreografia e mais como “passada” mesmo, dar “um passo” e isso já é base pra compor

[23:41, 15/10/2024] Heloisa: por modes?

[23:42, 15/10/2024] Alana Falcao: Sim, por falar em vital o vermelho não tem como não me levar pro sangue

[23:42, 15/10/2024] Alana Falcao: Sim!

[23:47, 15/10/2024] Alana Falcao: Uma obra que deseja por todo mundo no comum é um desejo legítimo de nossos tempos. Me lembra nossos sonhos de esquerda festiva, rs. E  realizar essa operação do "junto" através do toré indígena como laço primordial BR é uma afirmação com a ingenuidade e a beleza de nossos tempos. Mas que logo se transforma noutra coisa.

O que é o toré do final? É pé no pulso, olho no olho e uma ciranda sem fim que engole a si mesma num tremor, né isso.

Foto de Victor Martins

PARTE 02 - Crítica por Heloísa Sousa

 

Vibrar a Carne

 

Assistir uma obra cênica pela segunda, terceira ou infinitas vezes tem uma peculiaridade; não é como ver uma mesma imagem estática novamente, mas é sobre viver um acontecimento, um percurso temporal, mais de uma vez. Aquela segunda vez vai reencontrar a vez arquivada na memória do corpo e vai colocar em dúvida, ou ao menos, em situação de instabilidade, a sua percepção - também arquivada - sobre a obra. Como um deja vú. Fiquei me perguntando se eu acharia a obra tão boa quanto achei da primeira vez que vi.

Dança Monstro (2019) é a última de uma trilogia criada pela Cia. dos Pés, de Alagoas, e que sucede as obras Dança Anfíbia (2016) e Dança Baixa (2015). Com direção de Telma César, a obra traz em cena os dançarinos Joelma Ferreira, Magnun Ângelo e Reginaldo Oliveira. Essa é a segunda vez que assisto esse espetáculo que se apresentou na exibição de obras nacionais da Mostra Internacional de Teatro de São Paulo (MITbr), e também abriu a décima edição do Junta Festival - Dança e Contemporaneidade, ambos neste ano de 2024. 

Sob um extenso chão vermelho, três corpos, dois homens brancos e uma mulher negra, se deslocam em variações de um passo ritmado e acompanhados por uma sonoridade. Na ocasião desta apresentação em Teresina, apenas dois artistas estavam em cena, Reginaldo e Joelma; por razões de saúde física, Magnun adentra o espaço da dança apenas na última ação. Embora a presença de um trio marque o mínimo da coletividade nesta cena, a perspectiva grupal não parece se perder quando apenas dois corpos dançam (ou ao menos não para mim, que já carregava na memória a percepção anterior sobre essa mesma peça). O trabalho de movimentação, aqui, é explicitamente relacionado a uma série de danças tradicionais brasileiras, investigadas em suas composições e pulsações a fim de elaborar uma dramaturgia que as apresentam como vértices de criação. Para perceber mais sobre essas referências, sugiro a leitura do texto escrito por Adriana Banana e Caroline Silas publicado no catálogo da MITsp 2024, que cita também os textos escritos por dois dos artistas autores dessa obra, Telma César e Reginaldo Oliveira. 

 

vértice (subst. masc.): ponto em que uma ou mais curvas, retas ou arestas se encontram.

 

Mas, não é sobre essa listagem de referências que eu gostaria de escrever aqui e muito menos sobre uma tentativa de reconhecer qual dança é “citada” em determinado momento; visto que, não percebo esse modo de composição da Cia. dos Pés como uma questão de “citação”, mas sim como uma investigação dos movimentos de danças tradicionais brasileiras como uma “linguagem não-sígnica” (paradoxal, eu sei - mas é que há alguma coisa de linguagem na dança no sentido do campo expressivo, mas que não, necessariamente, representa algo fora de si), cujo “vocabulário cinésico” ou “radicais de movimento” podem ser utilizados para compor outras “frases”, ou, mais ainda, para materializar a composição em si… como se, ao falarmos, quiséssemos mostrar como se fala mais do que aquilo que se diz. E, enquanto arte, essas composições marcam muito mais uma infinitude combinatória do que algum limite de criação. 

Escolho observar Dança Monstro sem remeter a algo fora dali, daquele chão vermelho. 

Materialmente, existe uma unidade ou um passo que é repetido como basilar e notado como ponto do qual derivam todas as outras movimentações. Essa estratégia minimalista de redução dos detalhes e repetição até encontrar algum radical (de radicales, relativo à raiz) - ou alcançar o ponto de transformação - me parece uma aposta coerente para lidar tanto com a composição cênica quanto com a investigação artística em torno dessa “brasilidade”. No texto de Adriana Banana e Caroline Silas, três trechos defendem o ponto de vista das autoras de que não há essa unidade do passo.

 

“Na abordagem da complexidade, a existência/realidade não é redutível a unidades simples, o todo não é a soma de unidades simples decompostas. Isto é o que acontece na dança, que também não é nem soma de passos, nem os passos são unidades simples como são muitas vezes descritos” (Banana, Silas, p. 138, 2024). 

 

“Como a dança não é uma coleção de passos, os passos, os movimentos também não são unidades simples, possuem história e filiação pertinentes a visões de mundo” (Banana, Silas, p. 139, 2024).

 

“Tentamos mostrar como a Cia. dos Pés se constituiu de forma singular e que esta singularidade está na ética com que lida com ambientes e informações tão diversas. Que as referências culturais (como as exemplificadas com trupés, coco e toré) que constituem o grupo se organizaram como proposição de pensamento. Que não podem ser lidas como unidades simples e nem sem história” (Banana, Silas, p. 141, 2024).

 

Ainda insisto na percepção das unidades do passo. Porque a unidade não pressupõe ausência de complexidade e nem de percurso histórico; essa compreensão parte do entendimento da unidade como “ponto de origem”, onde não haveria “nada para trás”, “nada que antecede”, visto que, matematicamente, a unidade é indivisível. Escolho aqui assumir a perspectiva benjaminiana de “origem” e estendendo isso para a percepção sobre a “unidade”, onde essa origem é muito mais um paradigma histórico do que uma fonte essencialista - é mais um rasgo do que uma nascente. Se a origem pode ser um paradigma histórico, então a unidade talvez possa ser um paradigma quantitativo. Toda experiência, todo encontro, se inicia em algum ponto e a materialização desse começo enquanto reconhecimento dessa unidade/paradigma/origem, como é apresentado em Dança Monstro, é fundamental para que a composição se torne visível como um movimento de contínua transformação a partir de algo; nesse sentido, importa menos o apontamento da unidade e mais a experiência de ver/perceber a unidade se transmutando - escolhe-se ver/perceber a partir daqui. E o passo, como unidade, nos permite pensar a dança como prática de deslocamento - dançamos porque podemos mudar de lugar, saudamos nosso princípio nômade - e, para tanto, o passo é também a unidade da caminhada. E caminhada sendo vista como uma ação de maior amplitude do que apenas o andar com os pés

É notável também, através de uma dramaturgia rebuscada e sofisticada como apresentada nessa obra, como as possibilidades de significação ou interpretação se desmancham na cena; o que me faz pensar sobre o quanto de moralismo não é conduzido na nossa percepção pelos excessos de gestualidade - vocal e corporal - que aqui, em Dança Monstro, parecem economizados. Os corpos apenas se movem. Mesmo podendo imprimir percepções aos corpos a partir do gênero, da raça, das identidades sonoras-espaciais-corporais, elas não se fixam em absoluto naquela dança. Junto disso, há um “detalhe” muito significativo que eu nomearia de coreografia do olhar - não é comum que obras em dança apresentem percursos do olhar com tanta exatidão e de modo tão explícito quanto nessa obra. O olhar dos corpos que dançam se iniciam para frente, em relação uns com os outros, em celebração; logo em seguida, esse olhar concentra-se na interioridade do espaço e do corpo em si, direciona-se para baixo ou para dentro, para voltar ao externo e ao outro somente ao final, quando o público é convidado a dançar junto.

A vibração da carne é outra condição material que me parece não poder ser ignorada. Os corpos em nudez não apresentam apenas sua singularidade formal, mas deixam à vista a vibração como consequência do mover-se que desliza das suavidades e normatividades do movimento condicionado, controlado, comportado; aqui o movimento é zona de experimentação, escoamento e expansão do corpo-tempo-espaço… ir até ver onde vai dar. A vibração como um limite entre a contenção e o escape, que não é da ordem da desorientação, mas sim da intensificação.

Há uma ressonância deste trabalho em outras obras que vi recentemente como o “Eu não sou só eu em mim (Estado de Natureza - Procedimento 01)” do Grupo Cena 11 (SC) e as obras “Chão” e “Bípede sem Pelo” de Alexandre Américo (RN), onde eu já notava e escrevi sobre essas mesmas unidades. Entretanto, as diferenças entre as regiões brasileiras são tão profundas que, apesar de carregarem a mesma hipótese (termo usado por Alana em uma de nossas conversas e que tenho repetido pela sua coerência), a obra da Cia. dos Pés e a obra do Grupo Cena 11, por exemplo, apresentam dois brasis, com distintas tecnologias de composição estética e com escolhas quase opostas em torna das sensorialidades das cena - chão colorante/parede projetada, corpos nus/corpos vestidos, percussão/sintetizadores, tríade/grupalidade. O que reforça minha percepção de que nosso entendimento de país como comunidade integrada é uma forte arbitrariedade. 

Se no início me perguntei se acharia a obra tão boa quanto achei da primeira vez, termino a experiência do dia 15 de outubro de 2024, e sigo com os ecos disso no corpo, respondendo que a considero ainda melhor, tanto pela aposta de investigação artística quanto pela refinada estrutura dramatúrgica que materializa não apenas as referências aos múltiplos (e complicados) vetores culturais que nos compõe, mas também materializa as políticas relacionais e corporais que dispomos como formas de agenciar (des-organizar) essas mesmas matrizes.  

 

Para ler o texto crítico desta obra, escrito por Alana Falcão, acesse a Revista Barril neste link.

Fotos do banner e da capa: Isabela Alves e Victor Martins.

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