Por George Holanda
19/05/2017
Não há dúvidas de que o racismo é um problema a ser enfrentado. A violência racial contra os negros tem raízes profundas na nossa história e é uma ferida aberta até os dias de hoje. O Grupo de Teatro Eureka dá sua visão a este difícil e complexo tema no seu trabalho Debaixo da Pele, com direção e dramaturgismo de Denilson David.
O coletivo tem sua origem no curso de Teatro da UFRN, onde muitos dos seus integrantes estudam. A pouca idade do grupo e os poucos recursos na montagem estão evidenciadas deste o seu início, assim como uma certa maturidade ao lidar com detalhes da produção e com uma postura em cena. Pode-se enxergar em Debaixo da Pele uma herança formal de outros espetáculos produzidos na cidade. Ainda que apresentado em um espaço aberto e possua um tom declaradamente político, de algum modo sua estrutura parece possuir raízes em trabalhos locais mais antigos, como os do Grupo de Teatro Clowns de Shakespeare (que por sua vez se inspira em referências outras). Isto se dá pelo trabalho com o canto dos atores, pela reutilização de elementos cotidianos na elaboração do figurino e cenário e ainda pela opção de um desenho de cena que posiciona os atores no palco durante todo o trabalho, construindo além do espaço cênico em si um outro ambiente que se dá ao seu redor, em que os atores que não estão atuando contribuem com efeitos sonoro-musicais e comentários do que se passa na cena.
O trabalho é formado por muitos pequenos momentos. E parece seguir uma sequência cronológica da história da escravidão e do racismo, chegando até questões atuais decorrentes do tema, como as cotas na educação, as quais pela natureza polêmica são levadas ao público num momento que simula um programa de auditório e inclui a participação dos espectadores.
A opção por uma visão tão histórica do assunto pode causar surpresa diante da pouca idade do grupo. Na sua primeira metade, o trabalho se preocupa longamente em abordar aspectos do nosso passado a fim de realizar uma investigação sobre a escravidão como origem do racismo no nosso país. As várias cenas dedicadas a este estudo nem sempre adicionam novas informações que já não tenham sido tratadas em outros momentos do espetáculo.
O trabalho se utiliza de muitos recursos para analisar o preconceito racial. Seja pelas inúmeras cenas que buscam formar um amplo panorama da questão, seja pelas várias opções estéticas encontradas no trabalho. A intenção resulta numa obra que se alonga e que reafirma seu tema insistentemente.
O tom inicial do trabalho remete a uma proposta brechtiana, em que o distanciamento é retomado por diversas vezes ao longo do espetáculo, por meio das músicas e pelo próprio texto. Contudo a influência de Brecht serve mais como estrutura do que como motivação para todo o espetáculo, uma vez que as cenas se apresentam calcadas também no drama e no melodrama, contando ainda com passagens de cunho documental e cômico. A diversidade estética do trabalho poderia não representar em si uma fragilidade, entretanto toda esta variedade dilui um potencial em momentos tão díspares que o tema em si não se apresenta como justificativa suficiente a reuni-la.
Se a intenção em provocar a platéia é uma constante no trabalho, especialmente pela opção por um teatro brechtiano, o desejo de falar de si parece ir ganhando um pouco de espaço ao longo do espetáculo, mas mesmo assim passando longe de ofuscar o assunto da questão racial. Especialmente na sua primeira metade, o tema do preconceito contra o negro é destaque principal, até pela visão histórica tratada. Mas numa segunda metade, este mote cede lugar a cenas que revelam um pouco do cotidiano e dos dilemas daqueles jovens atores (pois se passam em ambientes familiares ou de sala de aula). Mesmo assim, estas cenas se encontram devidamente justificadas pelo tema maior do trabalho. A falta de relatos que evidenciem um tom mais pessoal da questão racial, para além da que podemos supor pela própria condição dos atores, deixa o espetáculo com um ar de que o grupo escolheu um tema político correto, mas que sua abordagem se dá de forma distante. A utilização de tantas opções estéticas diversas revela uma ansiedade em experimentar o teatro como forma de expressão, ainda que abdicando de prismas mais íntimos quanto ao tema e impondo-se a uma responsabilidade em tratar do assunto como algo maior que si. Isto explica o porquê de um grupo tão jovem voltar tanto no tempo para falar de algo tão presente nos dias de hoje.
Ficha técnica:
Direção e dramaturgismo: Denilson David
Elenco: Allyerly Dantas, Arthur Araújo, Clau Medeiros, Eduardo Leão, Firmino Brasil, Iasmyn Cavalcante, Janaina Silva, Magno Marcio, Rubinho Rodrigues, Patrick Cezino, Talita Tâmara e Taize Tertulino
Direção Musical e preparação vocal: Mary Campos
Coreógrafo: Rodolpho Santos
Assistência de direção musical: Sévio Junior
Assistente de preparação vocal: Firmino Brasil
Sound Designer: Rafael Alves e Sévio Junior
Operação de Som: Denilson David
Preparação Corporal: Patrick Cezino e Rodolpho Santos
Cenografia: Patrick Cezino
Iluminação e operação de luz: Lucifranklin Vitorino
Figurinos: Fanny Lo
Modelagem e Costura: Taynah Quirino
Maquiagem: Iasmyn Cavalcante e Talita Tâmara
Cabelo: Allyerly Dantas
Web Designer: Camila Amaral
Produção: Denilson David e Nathália Christine