Por Quemuel Costa
30/12/2019
Uma pesquisa realizada pelo Instituto Datafolha em julho deste ano revelou que 7% da população brasileira (11 milhões de pessoas) acredita que a Terra é plana. Um número que vem crescendo de uns anos para cá. Basta uma pesquisa no google ou no youtube para percebermos que o assunto vem tomando proporções cada vez maiores e desastrosas. E justamente para combater o terraplanismo e a crença de que a gravidade não existe, o palhaço Dr. Terremoto é contratado para dar uma palestra refutando essas ideias.
Essa é a premissa da recém estreada “A Terra é plana! E agora?” da Observatório Cia Teatral, de Brasília, espécie de peça-palestra realizada pelo Dr. Terromoto, palhaço de George Sand, que assim como boa parte da classe artística natalense já foi integrante dos Clowns de Shakespeare, apesar de ter não estreado nenhuma peça com o grupo. Hoje ele é professor associado do Observatório Sismológico da Universidade de Brasília (pesquise “george sand sismologia” no google e você vai ver as diversas reportagens com ele esclarecendo questões sobre alguns terremotos). Vemos então que há um jogo do ator com esse lugar que lhe é comum: o de professor que precisa explicar conceitos científicos. E é assim que se inicia a peça, com o palhaço tentando dar uma palestra (usando slides e sendo apresentado por dois mamulengos). O que não dá muito certo, principalmente porque, segundo o Dr. Terremoto, há um cheiro de terraplanista na plateia. Então ele resolve utilizar da arte para provar de vez que a Terra é redonda e convencer os supostos terraplanistas entre o público.
A partir daí o palhaço passa a explicar conceitos como o Big Bang, a Lei da Gravidade, o Heliocentrismo (o fato da Terra girar em torno do Sol) e fazer piadas sobre a Terra ser plana. Para isso ele utiliza do humor, da interação com a plateia e principalmente de objetos (bolas, chumbinhos, uma bexiga pintada como se fosse a Terra etc).
A peça traz uma excelente premissa e um tema extremamente relevante e atual, mas se perde um pouco em relação ao seu discurso. As explicações do palhaço fazem o público rir, mas não convencem e nem são muito fáceis de compreender. Há claramente um conteúdo e um discurso ali para serem apreendidos, mas na maior parte do tempo ficamos apenas na parte do riso, que é por onde conseguimos facilmente acessar a peça. Em alguns momentos até mesmo as supostas refutações sobre a Terra plana parecem ficar de lado para dar lugar às palhaçadas que têm como único intuito fazer com que o público ria. Parece não haver um equilíbrio entre humor e ciência. O palhaço diversas vezes diz que o cheiro de terraplanista permanece na plateia e por isso seguirá com seus experimentos e explicações até nos convencer. Entendemos que ele diz isso como justificativa para continuidade da peça e acreditamos que não há terraplanistas entre nós, mas em certo grau não deixa de ser verdade: não estamos sendo convencidos.
Um contraste muito interessante a se observar é dado entre o início e fim da peça. A peça inicia muito engraçada, com piadas consistentes e uma ótima interação com o público, o que infelizmente não se mantém. Há uma dificuldade em estabelecer um ritmo constante de humor. A quantidade de bons momentos cômicos e piadas que não funcionam é bem equivalente, sendo que algumas inclusive parecem não funcionar por serem colocadas no momento errado. Além disso, o final parece vir de forma muito repentina. Mesmo havendo uma justificativa dramatúrgica para isso (O palhaço foi contratado pelo governo para dar uma palestra a favor do terraplanismo e como está fazendo justamente o contrário, é interrompido e decide ir embora) fica a impressão de que o Dr. Terremoto está apenas brincando e vai voltar com seus números e explicações. O que não acontece. Blackout e fim de peça.
Mesmo apresentando fragilidades (talvez até por ter sido a sétima apresentação da obra), “A Terra é plana! E agora?” levanta uma temática infelizmente muito atual e necessária. A palestra nada convencional realizada pelo palhaço Dr. Terremoto entrega no carisma do ator e na sua interação com o público (e os jogos que surgem disso) os pontos mais fortes e consistentes da peça.