Por Heloísa Sousa
26/07/2022
Em 2021, tive a oportunidade de assistir ao espetáculo “Papelê – Uma Aventura de Papel” da Téspis Cia. de Teatro (SC), durante a programação do XIV Festival Velha Joana (MT). Na ocasião, ainda estávamos com medidas muito restritas de isolamento social por conta da pandemia do covid-19 e o festival foi realizado em formato virtual. Portanto, assisti à filmagem da obra. Neste ano de 2022, marcado também pelo retorno aos festivais em formato presencial, pude assistir ao mesmo espetáculo no Teatro Municipal de Itajaí durante a programação do Festival Brasileiro de Teatro Toni Cunha.
A perspectiva frontal que o espetáculo adota não me fez ter tanto prejuízo na fruição em relação a filmagem; pude rever as cenas que estavam na minha memória, rir junto com o público naquele momento e me reconectar com a primeira experiência.
A obra, direcionada ao público de todas as idades, traz três atrizes em cena manipulando o papel de diferentes formas para criar diversos jogos, aparências e brincadeiras. Assumindo figuras que se vestem de modo semelhante, não usam a linguagem verbal convencional, mas sonoridades; elas transitam entre imagens, ao invés de histórias. Notável a recorrência de duas ou três atrizes nas obras para o teatro infantil e ainda a opção por uma atuação onde o adulto se assume criança. Esse assumir-se como criança carrega o perigo do estereótipo e da abordagem caricata, por oferecer uma atuação muito expansiva. A visão do adulto sobre a criança não é a visão da criança sobre si mesma.
A fragmentação e acúmulo de situações continua sendo aqui uma recorrência no teatro infantil, mas dessa vez, as imagens formadas são prioridade em detrimento da narração de algo. Não há uma preocupação moralista, mas saltos entre os jogos aos moldes da atenção das crianças. Essa escolha parece uma aposta do teatro moderno e vanguardista para a cena infantil, onde não há nada a ser dito de fato, mas sim a ser experimentado. E talvez essa aposta seja uma das que torna a obra interessante entre outras encenações para esse público, pois replica uma forma despretensiosa de vivenciar o mundo.
Se aproximando do fluxo de brincadeira comum as crianças, elas manipulam papeis de modo a tentar elencar possibilidades de uso/jogo. O papel como roupa, como invólucro, como boneco, como caixa, como adesivo e até a transposição da superfície do papel para as telas. O papel, na realidade, é tido como superfície de projeção da imaginação, maleável como o tecido, riscável como a parede, ou até rígido como o gesso. Talvez por isso, em versões tecnológicas seja a tela que substitui o papel da fotografia, do livro, do desenho, do caderno. A metáfora da “folha em branco” cria contornos tridimensionais nessa obra.
Foto de Sabrina Francez e Mathý Groszewica.
Destaco então o trabalho com os bonecos de papel. Acompanhando a programação do Festival Toni Cunha, o teatro de animação também aparece em cenas de “Cor de quê” e “Contestados”. Além da cenografia impressionante de “Para contar estrelas” com suas maquinarias cênicas. O teatro de animação tem um lugar importante na produção artística e teatral de Santa Catarina, em especial de Itajaí. A feitura singular e a técnica impecável com essa forma teatral revelam outras possibilidades de fruição estética e reorganiza o olhar para essa outra dimensão, criando camadas de percepção que não me eram habituais no teatro. Importante pensar em estratégias para que esse teatro volte a circular de modo relevante em outros festivais nacionais, sendo inclusive pensado para o público adulto como faz a Cia. Pigmalião de Belo Horizonte.
Para acompanhar as críticas dos demais espetáculos do 7º Festival Brasileiro de Teatro Toni Cunha, clique aqui.