Por Paula Medeiros
19/03/2017
Dando continuidade à Mostra Especial Rabih Mroué dentro da quarta edição da MITsp, na noite de 16 de março o teatro do Sesc Vila Mariana recebeu a segunda apresentação da palestra-performance “Revolução em Pixels”, de aproximadamente 60 minutos. Neste trabalho, a não-teatralidade é radicalizada. Acompanhamos o artista sentado, consultando o roteiro da performance e manipulando um notebook para projetar algumas imagens. O diálogo com o cinema, por sua vez, está completamente exposto na narrativa, sendo uma espécie de eixo condutor de inquietações e suposições – genial e cuidadosamente argumentadas – de Rabih acerca da notícia de que sírios estavam filmando suas próprias mortes durante ataques, sem motivação, de oficiais do governo.
O intrigou a aparente contradição de que são pessoas que estão lutando pela vida. O que as leva a registrar a própria morte? O que, realmente, há por trás disto? E ainda mais intrigante é a resposta a essas perguntas. A revolução! Em forma, estética e conteúdo, afinal, num mundo em que imagens “amadoras” – jamais inocentes – comprovam crimes, invadem museus, palcos, galerias de arte, há de se admitir o seu potencial de guerrilha. Em “Revolução em Pixels” percebemos que a revolução é a história pública, é uma pessoa com uma câmera de celular na mão. E, vale salientar, não estamos falando de celulares de última geração e imagens com dezenas de possibilidades de filtros. Estamos falando de uma precária tecnologia de guerra. É um cinema dos horrores. Sem ficção. Sem fantasia.
A sagacidade da palestra é impressionante! O momento ápice é quando Mroué compartilha uma lista aberta a todos, “sem dogmatismos”, com dicas de como filmar uma manifestação – fazendo clara referência a vídeos que se espalham por redes sociais e viralizam na internet. Uma das geniais orientações da lista ensina a “como filmar uma manifestação de forma segura” fazendo o uso de faixas e cartazes com os dizeres virados para trás. Porque, dessa maneira, xs manifestantes não filmarão o rosto da multidão – protegendo a identidade das pessoas – e sim o conteúdo de suas denúncias!
Algumas outras dicas são baseadas no Dogma 95, um movimento cinematográfico internacional, com autoria dos diretores Thomas Vinterberg e Lars von Trier em 1995, que tem como proposição um cinema mais realista e menos comercial, com cunho técnico e ético no que diz respeito a restrição no uso de tecnologias e também nas ideias levantadas e suas formas de abordagem. A controvérsia do movimento está na estética e também no conteúdo dos filmes. Algo bem próximo do movimento do Cinema Novo no Brasil.
Mroué também propõe algumas orientações gerais, como “não perder o telefone na multidão” para não correr o risco de que o aparelho acabe caindo em mãos erradas, desconfiar e destruir câmeras oficiais... e, principalmente, que o importante não é a qualidade da imagem, mas a veracidade. O artista mostra “frame by frame” de um vídeo em que um homem capta o momento exato em que um soldado lhe aponta um rifle, atira e acerta o alvo. Vemos a imagem do teto, como se a câmera estivesse caída no chão, e ouvimos “estou ferido, estou ferido”. É neste exato instante, na iminência da morte, que a câmera se transforma também em arma e temos um “double-shooting”, um disparo dúplice: do rifle apontado para a câmera e da câmera para o atirador. Num potente zoom, diante dos pixels, da baixa qualidade da filmagem caseira, não conseguimos identificar o rosto de quem está por trás do rifle. “Os assassinos se escondem em uma identidade coletiva”.
E então nos perguntamos: por que o autor do vídeo continua a filmar? Por que ele não sai da mira quando vê o assassino? Porque existe um “delay” ali, como existe na ficção. Ele se sente espectador de um filme e se entrega tanto à trama que não pensa que pode ser atingido. Ele quer continuar o seu ato revolucionário. Ele tem que continuar filmando, porque enquanto aquela imagem não morrer, a história permanecerá viva. E está aí a explicação da viralização de registros como este. Diferentemente de flagrantes hollywoodianos como o ataque à segunda das Torres Gêmeas (propositalmente, porque os terroristas esperaram o tempo de os veículos de mídia oficial chegarem ao local para ter o seu feitio imortalizado), os sírios mostram precariamente um pedaço do seu dia a dia.
Talvez o que o artista libanês esteja buscando provocar com "Revolução em Pixels" seja um potencial que a raça humana está a poucos passos de perder: a empatia. A sabedoria de se colocar no lugar do outro, de se deslocar do grau primário da consciência, o ego, o eu, e exercitar os nossos tantos outros potenciais de comunicação e expressão. Não, “a revolução não será televisionada”, porque a mídia “oficial” é também ferramenta de opressão oficial, é mais uma ficção para nos ajudar a não perder o juízo, manter a ignorância alimentada, absolutamente controlada.
Confiemos nas armas que temos a nossa disposição. Confiemos na precariedade. A revolução está nos pixels!
Performer: Rabih Mroué
Tradução para o inglês: Ziad Nawfal
Tradução do Texto: Patrícia Lopes
Produção local de montagem: Ricardo Frayha
Equipe técnica local: Julio Cesarini, Rodrigo Campos, Rodolfo Jaquetto, Mariana Mastrocola, Fernando Zimollo
Coprodução: Berlin Documentary Forum – HKW, em Berlim, dOCUMENTA 13, em Kassel, The 2010 Spalding Gray Award (Performing Space 122, em Nova Iorque, The Andy Warhol Museum, em Pitisburgo, Onthe Boards, em Seattle, e The Walker Art Center, em Minneapolis).