Por George Holanda
07/05/2017
Pelo quarto ano seguido, o Encontro de Dança, em sua 10ª edição, traz na sua programação os solos vencedores do Festival de Stuttgart (Alemanha). Este ano foram apresentados trabalhos da Bélgica, Israel, Itália e França/Rússia.
(E) Utopia: uma viagem entre Martin, Thomas e John. Coreografia e intérprete: Maxine Van Lishout (Bélgica).
É a fala o grande motivador deste trabalho. A fala como discurso. Uma fala que olha para o futuro e acredita num mundo melhor, seja pelos textos de Thomas More, pelos discursos de Martin Luther King ou pelas letras de John Lennon. E gravações com o que eles disseram nas suas obras servem de trilha sonora para o trabalho. Todos acreditam em um outro mundo. A intérprete dança cada uma dessas falas, cada uma ao seu jeito, sem deixar de interligá-las. Ela corrobora este desejo de transformação, representado pelo figurino que veste e calça ao longo da coreografia. É um trabalho que tem na sua ideia a sua maior força. Os movimentos não ilustram as falas desses homens, mas dialogam com elas. E a imagem final em que a intérprete caminha rumo ao escuro ao som do tiro que matou Martin Luther King nos desconcerta e nos faz pensar que a fala que gera tanta esperança pode ser calada por um simples som vazio.
Tzid. Coreografia: Beatrice Panero (Itália). Intérprete: Pasquale Lombardi (Itália).
O medo é algo intrínseco a nós. E seus efeitos no bailarino italiano Pasquale Lombardi é transformar a consistência do seu corpo. A musculatura e ossos parecem impressionantemente pastosos. A constante briga interna leva o corpo a mudar de forma, ora mais rígido, ora desforme, assim como ora mais cerebral e ora mais físico. A luta por vencer o próprio medo é interno, mas a coreografia externaliza isso no seu corpo e na relação com o mundo exterior.
Entrelacs. Coreografia e interprete: Veronika Akopova (França/Rússia)
É marcante a longa movimentação inicial em que a bailarina desfaz um peça interira de roupa feito de tricô puxando apenas um fio. O processo de libertação dessa camada de roupa simboliza um ato libertador do que nos pesa e recai sobre nós. A partir da libertação desta peça de roupa há um ganho na amplitude dos movimentos, mas resquícios de ações que remetem a uma forma mais contida perduram durante todo o trabalho. A forma e a liberdade ocupam o mesmo corpo até a imagem final.
Equilíbrio. Coreografia e Intérprete: Louis Thoriot (Bélgica)
Certamente o trabalho com um viés mais cômico, a começar pelo figurino composto de calça preta, camisa colorida e gravata borboleta. O trabalho mostra a luta entre ser o que se é, com toda a sua excentricidade, e a tentativa de se adequar, o que acaba por ser a essência da figura do palhaço a que se faz referência pelas vestimentas. A contenção dos impulsos resulta em passagens surpreendentes, sempre fugindo de ação óbvias. A construção corporal utiliza toda uma infinidade de possibilidades sobre o tema. Ao final, há uma tentativa de conciliação: a repetição do movimento inicial, em que o bailarino balança os braços numa forma concurda (carga de exigências sociais), se mostra suavizada pelo seu sorriso e pelo rebolado, como afirmação da sua liberdade e expressão própria.
Por baixo. Coreografia e intérprete: Ravid Abarbanel (Israel).
A beleza e elegância da intérprete na primeira imagem não nos prepara para o que ela vai se transformar: uma figura que transita entre formas bizarras. O trabalho lembra os três anteriores na construção de um conflito interno em que algo não se adequa ao mundo exterior. As surpreendentes construções físicas realizadas pela bailarina impressionam pelo grotesco. Ela se molda fisicamente criando formas que mostram que temos possibilidades desconhecidas no nosso corpo. Os impulsos que a transformam nas diversas figuras bizarras são resistidos mas mesmo assim extravasam e tomam conta dela. E até se pode ver um certo prazer na existência destas. A descoberta do nosso lado mais bizarro.