Por George Holanda
26/09/2017
O Arkhétypos Grupo de Teatro entrou numa nova fase da sua trajetória. Após uma série de espetáculos sobre os quatro elementos (água, terra, ar e fogo), mais o trabalho Éter como um quinto elemento, o coletivo entra numa etapa de temas mais variados e possivelmente mais pessoais. No solo da atriz mexicana Rocio Tisnado, Amareelos, dirigido por Nadja Rossana, fala-se da história e das raízes latino-americanas da sua atuante. No mais recente, Gosto de Flor, dirigido por Lara Rodrigues Machado, o cerne é o amor, especificamente quando vivenciado entre homens.
Gosto de Flor tem por base os corpos e as relações estabelecidas por seus quatro intérpretes, Allan Phyllipe, Luã Fernandes, Robson Haderchpek e Thazio Menezes, num trabalho que transita entre a dança e o teatro, com uma dramaturgia que coloca o público como construtor de leituras.
Um clima de intimidade se evidencia não só pelo tema, mas pela proximidade do público – que ocupa dois lados do espaço cênico, este disposto ao centro, como um largo corredor –, pelo uso de pequenos elementos de cena – o palco nu conta apenas com uma carta vermelha, pedras menores, rosas vermelhas e pétalas soltas –, mas principalmente pelo evidente material pessoal dos intérpretes. Mesmo sem se poder creditar o que seria de cada um, há uma construção calcada na história e nas relações entre eles, os quais assinam coletivamente a dramaturgia.
Tamanha pessoalidade investe num mergulho no mundo interior, no que se sente e nas suas dificuldades. As figuras em cena se encontram, se tocam e se relacionam, vivendo o amor em suas várias formas e desdobramentos: delicadeza, carência, desejo, rejeição, passionalidade, disputa, conflito... A cena busca revelar esses homens. Sua intimidade. Como quando somos apresentados aos quatro, na cena inicial, com cada um ocupando um dos cantos da cena e em um diferente estado: tensão, angústia, desoberta... Mas todos compartilhando a juventude e os fortes corpos, o que supõe que o ambiente (social) deles é o mesmo, não são figuras de universos diferentes, ainda que o meio público não seja uma preocupação para o trabalho. A diferença está no interno de cada um, o que os leva a momentos de proximidade e distanciamento.
A coreografia não tem preocupação com uma forma limpa, preferindo captar a força das relações, seu extravasamento e dificuldade de contenção. E nisso Gosto de Flor encontra seu dilema fundamental. Pois quando fica evidente um movimento interno, como um inevitável impulso a guiar a cena, o trabalho encontra o clima de intimidade proposto. Revelando o que de pessoal cada um possui, seu drama ou seu gozo. Exemplos disso são os momentos da delicada e apaixonada dança de Luã Fernandes e Thazio Menezes ou a explosão furiosa de Allan Phyllipe e Robson Haderchpek.
Entretanto, o trabalho possui uma hesitação nesse mergulho, na medida em que por vezes cede à forma. A percepção de uma obediência a um desenho da cena nos coloca distantes desses homens, das suas histórias, e nos faz enxergar não mais sua intimidade, não mais o sentimento-tema. Verdade que a proximidade do público coloca uma lente de aumento sobre tudo o que se passa na cena, tendo cada ação uma imensa amplitude aos nossos olhos, de modo que o desnudar das figuras torna-se um fator essencial na construção dessa ambiência de intimidade. A proximidade do público é uma das marcas dos trabalhos do Arkhétypos, que em maior ou menor medida sempre insere aquele na cena ou o coloca muito próximo dela, possibilitando um encontro mais intenso.
Se o trabalho nos leva a acreditar que é o sentimento do amor, ou suas facetas, a guiá-lo, a percepção de que o mesmo se ausenta como força motriz de alguma ação, por menor que seja, nos leva a um afastamento. Como uma ruptura das fibras que tecem o trabalho, para remeter aos músculos dos corpos dos intérpretes. A intimidade proposta lança uma cruel exigência de que tudo seja cobrado por esse parâmetro. E o rompimento desta nos leva a nos afastar de uma posição de compartilhamento.
A utilização dos elementos de cena também impõe uma dura limitação ao trabalho. As pedras e as rosas acabam por representar de forma desgastada os lados desse sentimento, da dureza ou da suavidade, pois são símbolos por demais saturados quando ligados ao tema. Também não ajuda o uso de um figurino que resulta indefinido. Se possui uma certa estilização as camisas semi-abertas de alguns, as outras peças parecem modelos extremamente cotidianos, se podendo identificar inclusive sua origem (marca). Tais escolhas de cenografia e de figurino reforçam formas já conhecidas do público, criando um obstáculo no encontro dessas figuras por não atribuir maior singularidade a elas.
O desafio de Gosto de Flor, diante da sua recente estréia, está em colocar-se ainda mais diante tema, o que talvez seja a luta de todos nós diante do amor, algo tão falado, mas por vezes difícil de ser experienciado em toda a sua imensidão e ao mesmo tempo de uma forma tão particular.
Ficha Técnica
Direção: Lara Rodrigues Machado
Texto: Criação Coletiva - Arkhétypos Grupo de Teatro
Elenco: Allan Phyllipe, Luã Fernandes, Robson Haderchpek e Thazio Menezes
Trilha Sonora: Caio Padilha
Cenário: Arkhétypos Grupo de Teatro
Iluminação: Hilca Honorato e Leila Bezerra
Figurinos: Ele Maria Barroso e Arkhétypos Grupo de Teatro
Produção: Nadja Rossana
Operação de Som: Maria Flor