Dissolvo-me-se

Por George Holanda
29/09/2017

No início de Dissolva-se-me, solo de Renato Ferracini do Lume Teatro (SP), este caminha por entre o público enquanto fala sobre a data em que o espetáculo está sendo apresentado. Ele nos lembra de fatos históricos que ocorreram nesta data, dos mais diversos, como o Dia do Rádio e a vitória do Brasil no Mundialito de Volei de 1982. São dados reais. Mas o ator começa a misturar essas informações, relacionando-as até criar conexões absurdas entre elas. Paralelamente, seu corpo, que possuía uma postura cotidiana no início da fala, passa a executar uma movimentação mais livre, com ações indefinidas, num trabalho corporal muito particular e que se mostra inusitado como as conexões entre as datas. Uma trilha sonora, que tem por base um acordeão, traz um toque de melancolia e poesia naquela figura tão diferente, o que nos gera simpatia e não rejeição.

O espetáculo mostra o processo de Renato de viver um encontro com o público por um viés da esquizofrenia, que vê borrados os limites com o outro. O ator busca misturar-se com as pessoas ali presentes. Daí a proximidade do ator com o público – sentado no próprio espaço cênico –, o toque ocasional de Renato em algumas pessoas da platéia e as perguntas que lança para esta. O ator fala desse contato, do que temos em comum e do que nos diferencia. É bastante ilustrativo neste sentido o discurso sobre 99,9% da nossa carga genética ser igual, mas que faz bastante diferença esse 0,01% restante. Nesse movimento entre o que é nosso e o que é de cada um, bem como no livre trânsito entre ambos, se constrói o trabalho, dirigido por Luiz Ferron.

A experiência está nessa atenuação das fronteiras entre o ator e o público. Renato se apropria do que colhe das pessoas, assimila o que encontra, perdendo-se nelas, exemplo disso é quando passa a se chamar pelo nome de alguém da platéia. O texto, bem como sua coreografia (se é que podemos usar esse termo diante de um trabalho que transita entre teatro, dança e performance), leva a uma encenação que abdica de uma lógica racional, para investir numa lógica pessoal, como coerentemente acontece com a dramaturgia, que também pode ser considerada esquizofrênica, tamanha variação de momentos que ora valorizam espaços interno, ora externos. Curiosamente, o trabalho, mesmo não se pautando por uma ótica do racional, se utiliza de informações científicas, como no caso da genética por exemplo, para afastar obstáculos (preconceitos) e acessar ao outro.

A ausência de cenário e o uso de uma luz cuja varição se dá de modo muito suave despe o espetáculo de qualquer elemento além do buscado contato ator-espectador. Inevitavelmente, pelos limites propostos pelo trabalho, a experiência em misturar-se resulta mais potente para o ator que para o público, que, apesar da proximidade e interferência do ator, tem na posição de espectador o cerne da sua experiência teatral. Verdade que a obra preza pela sutiliza, mas restamos por presenciar Renato dissolvendo-se em nós, mais do que nós nele, no que seria, pensando no título do trabalho, um caso mais de dissolvo-me-se do que de dissolva-se-me.

 

Ficha Técnica

Criação: Luis Ferron e Renato Ferracini
Direção e Composição: Luis Ferron
Atuação: Renato Ferracini
Assessoria de Mímesis: Raquel Scotti Hirson
Composição Musical: Marcelo Onofri
Acordeão: Edu Guimarães Sanfona
Voz: Carlos Simioni
Poema Final: Gertrude Stein
Coordenação Técnica: Francisco Barganian
Audiovisual e Registro: Alessandro Poeta Soave
Apoio Administrativo: Cristiane Taguchi e Giselle Bastos
Design Gráfico e Fotografia: Arthur Amaral
Assessoria de Comunicação: Marina Franco
Produção Executiva: Luciene Maeno
Assistente de Produção: Luiza Moreira Salles
Coordenação de Produção: Cynthia Margaret

Clique aqui para enviar seu comentário