Por David Dallas
19/07/2021
Resumo: Neste relato de processo procuro compartilhar os caminhos criativos que percorri, para concepção da performance-instalação “O Corredor”, criada em laboratórios desenvolvidos na disciplina TCC Espetáculo (2019.1), sob a orientação da Prof.ª Dr.ª Naira Neide Ciotti (UFRN). Na performance busco trabalhar meu corpo em uma dimensão escultural, concernente à arquitetura de meu entorno, explorando a instantaneidade, o espaço e a intimidade. Neste material, os processos são narrados respeitando a sequência em que foram vividos. Imagens, vídeos e ilustrações mostram o processo criativo e suas materialidades. A performance-instalação "O Corredor" foi livremente inspirada num conto do mesmo título do autor Matéi Visniec em seu livro "Teatro Decomposto ou O homem Lixo" e foi influenciada pelo conceito de Alfred Jarry "O Supermacho: Romance Moderno", nas ideias de happening, de Allan Kaprow e nas obras conceituais de Bruce Nauman, que documentam performances em seu estúdio, caracterizadas por movimentos repetitivos realizados pelo próprio artista.
Palavras-chave: performance; processo de criação; compartilhamento; laboratório.
Vê-se, assim, que esse Homem-Senhor-Todo-Poderoso do Renascimento não é somente o Homem enquanto uma espécie que se coloca acima de outras espécies, como uma crítica ingênua ao antropocentrismo quer fazer crer. É um homem que calcula os custos e benefícios; é um homem que visa, sempre, um mais. É o homem burguês que, cada vez mais, precisa mobilizar energias, todas as energias, para o trabalho (não há trabalho sem energia, nos ensinam os físicos). É aquele que nega o ócio, é aquele que vive para o negócio, que chama os que se movem com outros ritmos, por outros tempos, de indolentes e preguiçosos posto que, para ele, parecem estar sempre atrasados.
Carlos Walter
Introdução
O mundo está veloz, o consumismo desenfreado disputa o corpo humano como um corpo máquina. Percebo essa influência e pergunto: como registrar isso? Como falar de velocidade? Foi a partir dessas perguntas que surgiu a motivação para construção da performance-instalação “O Corredor”, criada por mim, David Dallas, para a disciplina de TCC Espetáculo[1], orientada pela Prof.ª Dra. Naira Ciotti[2]. A instalação foi criada num processo de livre experimentação, a partir da leitura de “O Corredor”, texto que faz parte do livro “Teatro Decomposto ou O Homem Lixo”, escrito pelo dramaturgo romeno Matéi Visniec[3], em 2012. Este trabalho descreve os processos de criação da performance, tais relatos serão acompanhados de desenhos, vídeos (QR Code) e imagens; materiais que foram construídos durante a criação. Esses arquivos aparecem para revelar os meios e ambientes em que a performance foi construída e também por fazer parte de uma forma particular de criação. As partes do texto são descritas buscando uma sequência coerente com a ordem em que os eventos do processo de criação foram acontecendo. Nelas, apresento as ideias iniciais para a criação de uma performance, os motivos e acontecimentos que me fizeram mudar o formato inicial e os artistas que foram descobertos e se tornaram referências para este trabalho. Neste sentido, este trabalho ressalta a importância de apresentar o processo de criação de uma obra artística, para desmistificar a figura do artista como esse ser que já nasce com um “dom” ou “talento”, mas sim de uma pessoa que se dispõe a construir outras formas e maneiras de ver e perceber o mundo.
QR Code - Vista DEART (UFRN).
Tudo começou
O texto “O Corredor” de Matéi Visniec, no livro “Teatro Decomposto ou O Homem-Lixo” traz a figura de um homem que acorda para seu treino matinal de corrida e não consegue mais parar, seu corpo entra em um automatismo e ele é levado por toda a cidade, estradas, florestas, mar… A leitura do conto foi no final de 2017, guardei essa imagem como fiz com muitas outras que surgiram a partir do livro. Com o início do primeiro semestre de 2019 e a matrícula realizada em TCC espetáculo, sob a condução da professora-performer Naira Ciotti, me vi resgatando materiais/memórias/imagens para saber o que levar como proposta da disciplina. A ideia de performar esse corredor me veio com mais força, era uma imagem de certeza, pois eu praticava corridas e me sentia mais seguro em trabalhar com uma prática já conhecida.
O corredor
Início
Um homem, de terno e maleta para em um sinal fechado. Olha o relógio rapidamente, quando o sinal abre, ele, sem perceber, dá uma leve corrida para atravessar a rua em uma breve demonstração da pressa que sua vida é, mas também para sair do sol e/ou evitar não ser atropelado pelos carros que ignoram as pessoas na faixa de pedestre e arrancam assim que o sinal abre. Após essa leve corrida, seu corpo entra numa espécie de automatismo, ele corre sem parar; sem conseguir parar.
Pensamentos Utópicos
O performer percorre “toda a cidade de Natal”, no caminho perde o sapato, a maleta, esbarra em pessoas, coisas e a todo momento tem que mudar de direção. Seu caminho é interrompido por carros, buracos no chão, calçadas ocupadas. Seu corpo é levado por uma força automática que o leva para longe… DE QUÊ?
Recomeçar
O início deste trabalho me trouxe certas dúvidas. Primeiro, como a performance aconteceria: seria a corrida? Como poderia experimentar isso na prática? Como construir materiais a partir desse exercício prático? Minha mente tentava percorrer um caminho lógico, de sequências, onde eu iniciaria uma coisa, depois outra e em determinado momento chegaria ao resultado. E, de fato, as coisas aconteceram em sequências, mas os caminhos percorridos não fizeram parte de uma sucessão lógica (algumas vezes, acontecimentos banais e inesperados do meu cotidiano trouxeram discussões e materiais para o trabalho).
Começar a correr
Descobri que meu treinamento corporal para a performance seria como minha prática de corrida na rua: experimentando os caminhos, desviando para lados, caso encontrasse bloqueios, reconhecendo o limite do meu corpo e sempre preparado para viver/passar por imprevisibilidades. Para isso mantive minhas práticas de corridas na rua, agora com a atenção voltada para a percepção dessas interferências, acontecimentos inesperados, comecei a senti meu corpo de outra forma. Correr como treinamento para a performance. Descobrir de que forma meu corpo estaria em cena, em ação.
Mas o que iria diferenciar minha corrida de treinamento para a corrida como apresentação da performance? O figurino? O objetivo estabelecido de vencer determinada distância? Essas questões me acompanharam, e enquanto não encontrava as respostas, continuava a correr. Comecei a correr dentro de salas práticas, e foi dentro desse espaço que pude experimentar corridas diferentes das que fazia na rua. As salas eram pequenas e a corrida acontecia muitas vezes em círculos; na sala eu podia colocar música e fazer uma corrida dançada, testando diferentes níveis (na rua não podia correr com fones de ouvido, isso poderia diminuir minha segurança por não escutar o barulho do trânsito). Dentro de sala pude colocar mais drama no “Corredor”, simulando quedas, desvios bruscos, trazendo um corpo sem controle de si. É esse o personagem que Visniec descreve no conto e que eu sentia necessidade de performar. As pesquisas teóricas continuavam e depois de mostrar o conto “O Corredor” para Naira, minha professora orientadora, ela indicou uma outra leitura: “O Supermacho: Romance Moderno” de Alfred Jarry[4]. O livro complementou e deu formas e palavras que poderiam servir como fundamento para o que estava fazendo. Poder dizer que eu estava procurando o estado dos personagens do “Supermacho” ao comer o perpetual-motion food[5] me era uma justificativa válida. Conhecer referências que se aproximavam do que estava buscando aumentava meu poder e confiança sobre o projeto. Fazendo ver que aquilo que procurava existia e só estava buscando dar uma outra forma, uma nova maneira de apresentar. Em uma das minhas práticas em sala corri cerca de vinte minutos e deixei meu corpo ser levado por essa corrida dentro desse espaço mínimo. Logo após o exercício, sentei e escrevi em fluxo contínuo palavras que passavam pela mente e que se relacionavam com a performance.
Palavras
ÔNIBUS SOMBRA 50KM
CUIDADO! ROUBO BUZINA
100KM SEMÁFORO PARE FAIXA RUA
CÂMERA CARRO SOMBRA 50KM
CUIDADO! ROUBO
BUZINA 100KM SEMÁFORO
PARE FAIXA RUA CÂMERA
PISTA BR TRÂNSITO 80KM
SOL PESO SINAL GUARDA DE TRÂNSITO VELOCIDADE
MOTOR ACIDENTE 60KM
BARULHO APITO ATRASO
RÁPIDO NÚMEROS CORRIDA TEMPO
FREIO FUMAÇA PARADA PRESSA CARRO
Dúvidas
Perguntas Escolhas
Mas qual o formato? Como apresentar esse corredor?
Filmar? Escolha de um formato. Filmar o corredor? Filmar a corrida? Interferências tecnológicas. Compartilhar minha localização? Fazer live no Instagram?
Como as pessoas podem interferir no meu percurso? Onde correr?
Neste semestre, estava matriculado na disciplina de Estudos da Performance I[6], na qual estudei parte da história do surgimento da performance e conheci alguns nomes importantes para iniciar os estudos. Dentre eles, estava Allan Kaprow[7] e suas obras criadas dentro da perspectiva do happening, como consta em sua obra “How to Make a Happening”[8]. O contato que tive com os estudos de tal movimento me instigou a pesquisar e pensar minha performance como um acontecimento que envolve o público diretamente. Outro nome que me marcou e mudou a direção do meu percurso foi o trabalho de Bruce Nauman[9], seus vídeos com mais de uma hora disponíveis na internet mostram o próprio em seus processos artísticos, pesquisando seu corpo dentro de uma proposta ou da realização de uma única ação em um longo período. Tais aspectos me inspiraram e abriram minha mente para novos formatos e novas maneiras de apresentar uma obra artística. Nesse momento, iniciei a pesquisar maneiras de filmar minhas corridas. Sempre imaginei um vídeo dessa corrida, mas agora meu objetivo se concentrava em filmar o percurso, a rua, tirando o foco do corredor.
Filmar as corridas
Tinha pouco tempo para vencer uma certa ignorância tecnológica. Tentei filmar com o celular preso ao corpo e não deu certo. Fui pesquisar qual seria a melhor maneira de filmar. Em um dos encontros de orientação, Vicente Martos e Ronildo Nóbrega, estagiários da disciplina de TCC espetáculo, me falaram que uma câmera de ação seria uma ótima opção. Vi que para vídeos de performance a GoPro era o que eu precisava. Comecei a busca por alguém que tinha uma câmera, pois não tinha dinheiro para comprar. Peguei emprestado com uma amiga e iniciei as corridas. Para poder filmar com ela presa em meu corpo, comprei os suportes de peito e cabeça que possibilitaram filmar ângulos diferentes da minha corrida. O Corredor corria cinco quilômetros a cada treino e isso já me dava bastante material. Minhas primeiras corridas foram feitas no bairro de Lagoa Nova (fig. 1). Lá, corria por avenidas e BRs, objetivando capturar imagens do trânsito e dos pedestres e para isso, buscava correr o mais próximo possível dos carros. Para conseguir uma filmagem contínua objetivei não parar caso encontrasse algum obstáculo ou dificuldade. Se o semáforo estava fechado, mudava de direção e pegava um outro caminho, podendo até voltar pelo mesmo. Quando sentia que meu cadarço estava desamarrado começava a correr com os pés mais distantes, para não sofrer nenhuma queda. Tais acontecimentos faziam da corrida um espaço de imprevisibilidade, meu percurso não era pré-determinado, não sabia o que iria acontecer para poder fazer uma filmagem sem cortes ou paradas. Independentemente do que acontecesse, buscava atingir o objetivo de correr 5 km, mantendo o ritmo e deixando o movimento mais limpo possível para economizar energia.
Imagem 01 - Corrida pelo bairro de Lagoa Nova.
Fonte: Google Maps, 2019.
Outros lugares
Ao analisar os vídeos, me veio a ideia de mudar o lugar das corridas. Reli o texto de Visniec e me imaginei correndo fora das ruas; fora da cidade. Comecei a pensar em qual lugar seria melhor e que tivesse uma nova imagem para o trabalho. Lembrei de uma trilha em Pium (fig. 2), distrito litoral pertencente aos municípios de Parnamirim e Nísia Floresta, ambos no Rio Grande do Norte. O percurso dessa trilha, que é dentro de uma floresta com grandes árvores traria uma filmagem diferente das que eu fiz na cidade. Para essa corrida fui com Vicente e Ronildo, pois precisava da presença de mais alguém para me sentir seguro, sabendo que se algo ocorresse logo viria alguém no caminho para me ajudar.
Como mostrar os vídeos das corridas? Foi buscando responder a essa questão que cheguei ao formato que apresentei como resultado desse processo artístico. Pensei em colocar esse Corredor como parte de uma instalação, onde ele estaria suspenso na parede enquanto os vídeos feitos nas corridas seriam projetados sobre seu corpo. Esse pensamento mudou o rumo do meu trabalho, se tornando o foco principal. Na instalação estaria a figura do corredor de terno que tinha sido construída e não tinha colocado na rua nem apresentado nos vídeos.
Imagem 02 - Corrida na trilha do Vale Encantado, Pium/RN.
Fonte: Google Maps, 2019.
Compartilharia os vídeos (um material, ao meu ver, muito potente que estava sendo criado) e iria me colocar em um novo lugar, desconhecido, experimentando um formato diferente. A escolha desse formato me pareceu suficiente para o que estava procurando e me sentia seguro, pois conseguia visualizar seus fragmentos espalhados nas referências, desde Allan com o “Happening” à Bruce Nauman e suas pesquisas com as possibilidades de trabalhar com o corpo. A mistura dos dois artistas e suas pesquisas representavam meu trabalho. O happening apareceu como uma filiação estética à uma cena não hierárquica. Eu me deslocava até a rua e não sabia o que iria acontecer; o que iria registrar com a câmera. Essa imprevisibilidade deixava o trabalho aberto para novas interferências e consequentemente a geração de novos resultados. Nauman e seu trabalho com o corpo me impulsionava com a ideia de ficar instalado e experimentar meu corpo como objeto artístico. Sua obra “Wall Floor Positions” (1968)[10], aparece aqui para representar o que digo.
Novas questões
Como ficar suspenso? Quanto tempo? Como experimentar/ensaiar essa instalação? A ideia de um corpo instalado trouxe novas leituras para o Corredor (fig. 3). Antes ele era uma pessoa que corria. Agora, ele ficaria parado, suspenso, como uma imagem capturada dessa figura que ninguém alcança. E a imagem que me aparecia era do meu corpo instalado em uma posição de corrida, como uma foto feita no segundo exato que o corredor tira os dois pés do chão. Seu tronco curvado, braço esquerdo à frente, direito atrás, segurando uma maleta e as pernas opostas no mesmo movimento dos braços. Para isso, imaginei fazer cantoneiras de madeira, colocando-as em pontos específicos do meu corpo e deixando-o suspenso. Fui atrás de materiais. Queria aprender a usar uma furadeira, instalar as cantoneiras e entrar em contato com a realidade. Era possível o que eu queria? Comprei uma furadeira e encontrei cantoneiras de aço. Fui me instalar no meu quarto e logo percebi que ficar na posição que eu queria não era viável. Ao ficar de lado, meu quadril me distanciava da parede e meus pés também ficavam distantes. Testei outras possibilidades e abracei a ideia de ficar suspenso com o corpo reto e costas voltadas para à parede. Nessa postura, eu precisava de duas cantoneiras em cada pé e para meu corpo não cair para frente, uma em cada axila. Contudo, a imagem desse corpo instalado em posição de corrida ainda ficava na minha cabeça e eu não sabia o porquê dessa imagem ser tão real e sintetizar, de alguma forma, o que eu queria mostrar. Então, em uma das muitas vezes que descia as escadas do prédio em que morava, me atentei às placas de saída de emergência (fig. 4), onde a figura está na mesma postura desejada. Em cada parede desse percurso que fazia todos os dias, tinha uma placa do Corredor, direcionando às saídas e estimulando a pressa para salvar uma vida em situação de emergência. Perceber de onde vinha essa referência, me fez ganhar mais domínio dentro da imagem que buscava.
Vídeo - Teste Instalação "O Corredor".
Imagem 03 - Ilustração "O Corredor".
Fonte: David Dallas, 2019.
Relato de um acontecimento extra / fora do planejado
Quinta, noite
Saio da universidade e uma chuva cai com força pela cidade
corro para o meu carro me sinto seguro
saio encontro ruas alagadas, carros parados, pessoas na chuva
vou procurando ruas diferentes
decido deixar meu carro estacionado em frente a uma loja fechada
“vou andando”
no caminho, escuro, deserto, começo a pensar sobre a performance
“seria legal correr com a cidade vazia, na chuva”
começo a correr e me permito não parar começo a pensar que sou louco
um carro passa por mim e diminui a velocidade e uma mulher grita
“Lucas?!”
“Quê?”
“É Lucas?”
Ainda correndo levanto minha mão negando
“Não!”
O carro que tinha apenas desacelerado
arranca e sai fazendo barulho com o pneu no asfalto
Sorrio, nego com a cabeça
“Porque Lucas estaria correndo a essa hora na rua?”
“Queria conhecer o Lucas e perguntar por que ele faz isso”
e
“Eu não teria ajuda dessa pessoa por não ser Lucas?”
Imagem 04 - Placa saída de emergência.
Fonte: David Dallas, 2019.
Uma dramaturgia
A necessidade de criar um campo poético para o trabalho surgiu quando comecei a perceber que todo o processo estava sendo muito técnico. Tudo que tinha era relacionado ao campo prático de realização da performance. A ideia surgiu a partir de leituras e referências pessoais pertencente à um campo mais abstrato e tinha meus desenhos, que mostravam uma parte poética do modo que surgiam minhas criações. Entretanto, o impulso de construir algo que revelasse de uma outra forma o que buscava continuava. Neste período foi oferecido o curso “Escrituras da Cena”[11] com o Prof. Dr. Artur Matuck[12]. O curso buscava a construção de uma dramaturgia performática. Na oficina, Matuck nos conduzia através de estímulos verbais à construção de um texto e cada estímulo gerava uma narrativa que era escrita em um tempo delimitado. Cheguei a três narrativas que, ao meu ver, mais se aproximavam da performance instalação “O Corredor”.
O curso resultou na construção de uma performance a partir das narrativas criadas. Minha performance se deu com o compartilhamento dessas narrativas e com o objetivo de experimentar alguns elementos e ações que visualizava na instalação, tais como projetor, microfone (fig. 5) e o próprio estado do performer que sai da ação e interage com o público.
Imagem 05 - Elementos da performance "Um Corpo Presente".
Apresentação no Departamento de Artes da UFRN. Fonte: Renan Carlos, 2019.
Narrativas
UM HOMEM QUE FOGE DESSA SEMELHANÇA NACIONAL UNIVERSAL MAS QUE SEMPRE CORRERÁ EM CÍRCULOS |
SOM DE MÁQUINA EM TODO
LUGAR SEM ESCUTAR A MÁQUINA HUMANA
QUE FALA SEM PARAR
ESTADO BRUTO DE PRESENÇA
UM CORPO QUE NEGA SUA
EXISTÊNCIA
PARA CONSEGUIR VIVER
UMA BUSCA POR PRESENÇA QUE
CAUSA UM NÃO
SEGUIMENTO DE PADRÕES
ESTADO VEGETATIVO
OU ESTADO SUPER SENSÍVEL
DE PRESENÇA QUE NÃO SE SUSTENTA
Imagem 06 - Performance "Um Corpo Presente".
Apresentação no Departamento de Artes da UFRN. Fonte: Rita Cavassana, 2019.
Próximo passo
Definir o formato. Tinha chegado a um pensamento do que queria e estava fazendo o que precisava para chegar ao objetivo, mas ainda sentia dúvidas em relação ao que estava construindo. Estava trabalhando com outro formato, que acabei chamando de performance-instalação. Novos questionamentos surgiram a partir disso: por quanto tempo ficaria instalado? Qual a minha liberdade de ação estando como “objeto” artístico? Para dar uma ideia de instalação artística a obra tinha que estar disponível durante um período de tempo mais longo, por isso me veio o tempo de 4 horas de duração. Logo depois, pensei em me instalar dois dias seguidos, se aproximando mais do formato de instalação onde, geralmente, a obra fica disponível durante dias ou temporadas.
Meu corpo instalado. Suspenso.
Queria ser parte da obra, parte da instalação, mas não queria esquecer do meu corpo enquanto uma máquina viva com limitações. O corpo que corre no vídeo é o mesmo que se suspende em uma parede e que tem a necessidade de se movimentar. Um corpo que está acostumado com o movimento, que estranha o estático. Por isso, decidi que durante a apresentação iria me permitir descer, deitar, me alongar e até desistir do tempo proposto. Esse pensamento fez com que eu me sentisse mais seguro e livre dentro do trabalho. Reconhecendo e respeitando os limites do meu corpo. Outra decisão que tive foi a de começar a performance instalando as cantoneiras. O som da furadeira era algo muito forte e que, de alguma forma, se assemelhava com o barulho da rua, do trânsito. Dessa forma, o tempo instalado não seria de 4 horas, pois parte da instalação se daria com a preparação dos equipamentos.
Vídeo - Volta do Descanso.
Materiais Técnicos
Cada vez que testava a instalação, descobria uma coisa nova que seria necessária. Primeiro, tive que adquirir uma furadeira (queria ter a minha para poder usar como bem entender) e comprei as cantoneiras (eram necessárias 6 cantoneiras para ficar instalado, 2 em cada pé e 1 em cada axila). Para subir e me suspender, precisava de uma escada pequena. Outros materiais que se faziam necessários a partir dos mencionados são: parafusos, bucha, chaves de fenda, lápis, régua, extensão de energia. Para realizar a instalação completa era preciso um projetor, mesa para projetor, uma caixa de som, cabo P2, um notebook e figurino (fig. 7).
Imagem 07 - Materiais técnicos da performance-instalação "O Corredor".
Fonte: David Dallas, 2019.
Apresentações
A performance-instalação “O Corredor” teve sua primeira apresentação dentro da programação do "Tudo AMostra" (2019.1)[13], sendo apresentada nos dias 25 e 26 de junho. Foi a primeira vez que eu juntei todos os elementos da performance e fiquei 4 horas seguidas instalado. Durante as apresentações contei com a ajuda de Geovana Grunauer, Janderson Azevedo e Marcone Soares, todos alunos do curso de artes visuais e que estavam matriculados na disciplina de Estudos da Performance I. Eles ficaram responsáveis por registrar a performance, cuidar da parte técnica da projeção enquanto estava instalado, bem como me ajudar a descer da instalação quando precisasse. Durante a instalação eu busquei focar no meu corpo, fazendo micro movimentos em partes que estavam ficando dormentes, buscava a todo momento manter o equilíbrio. Minha mente tentava me levar para outros lugares, me questionando a importância do trabalho, fazendo eu pensar que estava no meu limite e que deveria descer. Tais pensamentos ficavam mais fortes quando ninguém estava assistindo. Vencer os próprios pensamentos negativos já era um grande desafio, que uma vez superados me faziam conhecer novos estados corporais e uma nova resistência. Senti que estar instalado exige tanto esforço quanto correr pela cidade. Se manter correndo, vencendo o pensamento de querer parar e descansar, se compara à vontade de descer da instalação para descansar e quem sabe, até não voltar mais.
Imagem 08 - Performance-Instalação "O Corredor".
Fonte: Janderson Azevedo, 2019.
Conclusão
A partir dos processos práticos vividos na criação da performance-instalação “O Corredor” pude começar a reconhecer um modo de criação própria. No qual me coloquei no lugar de construir um olhar atento sobre cada passo, cada etapa, capturando microreferências; um olhar voltado para as micro-percepções. Para isso, destaco a importância do registro dessas imagens/percepções, criando um arquivo do trabalho. Como esse que apresento aqui. Durante a escrita desse relato pude reorganizar as etapas de criações e resgatar materiais que já tinham sido esquecidos ou deixados de lado por estarem presentes como referências iniciais, não fazendo parte diretamente da obra “final”. Tal processo de escrita e compartilhamento desses arquivos construídos durante o processo de criação, me fizeram lançar um novo olhar sobre a performance-instalação “O Corredor”, percebendo seus alcances referenciais e sua complexidade de execução. Reconhecer esses aspectos foi, para mim, caminhar para um reconhecimento próprio de que sou um artista.
Vídeo - Gravação Performance-Instalação
"O Corredor" (Apresentação NAC).
Ficha Técnica
Concepção e Performance - David Dallas;
Coordenação - Naira Ciotti;
Edição de Vídeo - Vicente Martos;
Design Gráfico - Ronildo Junior;
Colaboradores - Geovana Grunauer, Janderson Azevedo, Marcone Soares, Roberta Alves.
Bibliografia
GONÇALVES, Carlos Walter Porto. Para além da crise de paradigmas: a ciência e seu contexto. 2012. Disponível em: https://www.alainet.org/fr/node/159470 Acesso em: 04 nov. 2019.
JARRY, Alfred. "O Supermacho: Romance Moderno”. São Paulo: Ubu Editora, 2016. 176 p. Tradução de Paulo Leminski.
VISNIEC, Matéi. O Corredor. In: VISNIEC, Matéi. Teatro Decomposto ou O HomemLixo. São Paulo: É Realizações, 2012. Cap. 19. p. 79-82. Tradução de Luiza Jatobá.
Referências Hipertextuais
KAPROW, Allan. How to Make a Happening. 1966. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=8iCM-YIjyHE Acesso em: 23 jan. 2021.
NAUMAN, Bruce. Walking in an Exaggerated Manner Around the Perimeter of a Square. 1968. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=47a22RueJzY Acesso em: 23 jan. 2021.
NAUMAN, Bruce. Wall floor positions. 1968. Crédito: IVAM, Institut Valencià d' Art Modern, Generalitat. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=IMSyhyvr0mw Acesso em: 23 jan. 2021.
Foto de capa: Janderson Azevedo, 2019.
[1] TCC Espetáculo é componente obrigatório do curso de Licenciatura em Teatro na Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), que visa a construção de um trabalho prático-laboral seguindo a perspectiva de uma criação cênica em equipe, sob orientação de um docente.
[2] Naira Ciotti é professora-performer da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), pesquisadora do Programa de Pós-graduação em Artes Cênicas da UFRN e coordenadora do LABPerformance na mesma instituição.
[3] Matéi Visniec é dramaturgo romeno naturalizado francês, poeta e jornalista. Suas obras têm grande influência do teatro do absurdo.[4] Alfred Jarry foi um dramaturgo francês, inventor da “patafísica”, escritor das obras “Ubu Rei” (1896) e “O Supermacho: Romance Moderno” (1902).
[5] Perpertual-motion food é um alimento apresentado no livro como sendo capaz de fazer um corpo humano realizar um movimento contínuo, sem parar, podendo assim, se comparar a uma máquina elétrica.
[6] Componente curricular obrigatório do curso de Licenciatura em Teatro na UFRN.
[7] Allan Kaprow foi um pintor estadunidense, pioneiro no estabelecimento do conceito de performance e desenvolvedor do happening na década de 1950 a 1960.
[8] Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=8iCM-YIjyHE Acesso em: 23 jan. 2021.
[9] Bruce Nauman é um artista estadunidense que iniciou sua carreira na década de 1960, sempre desenvolvendo pesquisas em várias linguagens da arte como: instalação, performance, fotografia, vídeo.
[10] Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=IMSyhyvr0mw Acesso em: 23 jan. 2021.
[11] Evento prévio do Reperformar o Afeto, ação de extensão realizado pelo LabPerformance - UFRN, realizado no período de 14 e 17 de maio de 2019.
[12] Artur Matuck é professor doutor e livre-docente em Artes pela Escola de Comunicação e Artes da PUC SP, com a tese “Potencial Dialógico da Televisão”.
[13] TUDO AMOSTRA, mostra semestral do Curso de Licenciatura em Teatro (UFRN).