Qorpo Qrítico: Teatro, Haqeamento e Afins

Por Henrique Saidel e Juliana Strehlau
02/03/2022

Este texto é um misto de relato, reflexão e proposta. Carta de intenção in process de um projeto que se pretende coletivo (com os bônus e ônus que isso implica), transitando pelos corredores às vezes tortuosos da universidade pública brasileira, para exercitar e compartilhar uma crítica de arte, uma crítica de teatro, uma crítica de teatro e afins, uma crítica principalmente de afins. Ou, como diz o nosso subtítulo: uma crítica de teatro e outras cenas.

Este texto é sobre e a partir do site de críticas “QORPO QRÍTICO – Teatro e outras cenas”, uma revista eletrônica de críticas e outros materiais sobre artes cênicas (teatro, performance art, dança, circo, e também outras artes e áreas, eventos, redes sociais), produzidos por alunos e professores da Universidade Federal do Rio Grande do Sul e convidados. É registrado e atua como um projeto de extensão universitária do Departamento de Arte Dramática (DAD) do Instituto de Artes (IA) da UFRGS, coordenado pelo professor Henrique Saidel e integrado por alunos e professores de diversos cursos, principalmente de Teatro, mas não só. 

O Qorpo Qrítico (QQ, para os íntimos) surge em meados de 2019, a partir de um convite do Jornal da Universidade para que fossem escritas e publicadas críticas dos espetáculos apresentados na Mostra TPE (Teatro, Pesquisa e Extensão), que há 17 anos promove temporadas mensais públicas de peças criadas no curso de Teatro. Ao mesmo tempo, a disciplina Seminário em Teatro I – Crítica Teatral, ministrada por Henrique Saidel, também serve de base para uma primeira formatação do site: acompanhar e produzir críticas dos espetáculos integrantes da Mostra TPE e da Mostra DAD (que reúne as montagens de final de curso dos alunos de bacharelado em Teatro). Em seu conceito, formato e atuação, o Qorpo Qrítico é inspirado/influenciado por outros sites de crítica no Brasil do início do século XXI, como o Bocas Malditas (Curitiba), o Horizonte da Cena (Belo Horizonte), o Questão de Crítica (Rio de Janeiro), o Teatrojornal (São Paulo) e o Agora Crítica Teatral (Porto Alegre). As experiências do editor Henrique Saidel como colaborador do Horizonte da Cena e como co-fundador e co-editor do Bocas Malditas (junto com Francisco Mallmann e Luana Navarro) são fundamentais no desenvolvimento do trabalho.

Um dos objetivos do QQ é proporcionar que os artistas formados pela UFRGS saiam da universidade já tendo passado pela experiência de serem lidos/analisados/criticados publicamente. Para além do incremento no currículo e de uma possível validação crítico-institucional que as obras possam ganhar e utilizar posteriormente, em seu caminho profissional pós-universitário, as críticas produzidas buscam expandir e atualizar diálogos/questões/provocações/sensações/ideias/situações presentes nos espetáculos, e estimular um debate horizontal e polissêmico surgido nos/dos processos formativos acadêmicos, mas que continua e ultrapassa os contextos educativos e institucionais. Não é nada fácil ou tranquilo ser criticado, ter seu trabalho fruído e discutido em público: e é somente “recebendo” críticas que se exercita essa escuta/conversa e se perde o medo e a defensividade, abrindo caminho para uma relação mais madura e fértil com aqueles que se dedicam a compartilhar suas opiniões e desenvolver seus raciocínios/análises/propostas em forma de crítica.

Da mesma maneira, é somente “escrevendo” críticas que se exercita essa escuta/conversa – formalizada momentaneamente em uma fala/conversa – e se perde o medo de desenvolver sua própria relação com as obras criticadas, seu próprio “gosto”, seu próprio raciocínio contextualizado. Analisar e desenvolver a própria voz (entendendo, sempre, que aquilo que se diz ser “próprio” nunca é somente pessoal e individual, e sim também fruto de atravessamentos coletivos afetivos, políticos e sociais), fixá-la em forma de texto, e publicá-la em um site acessível a quem quiser ver. Na crítica, todos se expõem em praça pública – aquele que é criticado e também aquele que critica – e é essa exposição pública, uma exposição política, cidadã, que o QQ busca. Importante lembrar que, no site, as críticas são produzidas por estudantes e professores, todos artistas em formação, colegas de turma e/ou ofício dos artistas criticados. 

A crítica do QQ é uma crítica de artista, uma crítica de pares, uma crítica de ímpares, onde não há (ou não deveria haver, intencionalmente) espaço para hierarquias inúteis. Como criticar um artista, sendo artista? Como ser um artista criticado por outro artista? Como ser um artista crítico? Como ser um crítico artista? Como ser tudo isso dentro da universidade? Como ser tudo isso fora da universidade? Talvez a resposta ensaiada pelo QQ seja: exercitando, fazendo, experimentando.

E se, em boa parte do tempo, esse exercício foca-se nos trabalhos realizados dentro da UFRGS, cada vez mais busca-se ampliar a abrangência do site, incluindo olhares e vozes sobre/com obras apresentadas em Porto Alegre e outras cidades do Brasil e do mundo, ressoando o interesse dos integrantes do projeto. Tudo muito aos poucos, de pedrinha em pedrinha, no ritmo das circunstâncias. No primeiro e no segundo ano de atividade, são produzidas críticas de espetáculos e processos de criação em formato presencial; com a pandemia de COVID-19, e as alterações decorrentes, as montagens passaram a acontecer nos ambientes virtuais, modificando também a forma de fazer, assistir e escrever sobre teatro. Como não poderia deixar de ser, o QQ segue escrevendo a respeito de montagens e afins em formato virtual. Se o teatro se faz nas vicissitudes do presente, mergulhado em seu tempo histórico e em suas possibilidades e impossibilidades conceituais e materiais, o mesmo acontece com a crítica teatral: para um mundo e um teatro pandêmico, uma crítica pandêmica.

Desde seu início, o projeto QQ conta com bolsistas e voluntários que participam das reuniões quinzenais do grupo (presencialmente ou via Zoom), onde são debatidas ideias acerca da crítica de teatro, das obras que foram assistidas, das possibilidades de divulgação e atuação nas redes sociais, das reformulações da estrutura do site, da organização de eventos e outras ações, etc. Nas reuniões, fica evidente a importância do debate continuado sobre a elaboração da escrita, a produção cultural local e além, os formatos possíveis e desejáveis de crítica, o que estes evidenciam, de que forma são (re)produzidos, de que forma determinam e são determinados por padrões do nosso campo. O grupo (formado atualmente por Alexei Goldberg, André Daitx, Camila Cardoso, Claudia Carvalho, Julia Kieling, Juliana Strehlau, Mayura Matos, Nairim Tomazini, Silvana Rodrigues, Stephanie Borges e Thiago Silva; além de Alexandre Lautert, responsável pelo design do site, e Chico Machado, criador da nossa logo), com suas participações mais ou menos flutuantes, busca funcionar também como espaço aberto para o compartilhamento de ideias, dúvidas, inseguranças, intenções, esboços de textos e o que mais surgir.

A crítica vista em sua dimensão coletiva: não necessariamente um texto escrito a quatro ou mais mãos, mas como produto processual de um debate anterior e permanente. Todo crítico sabe o quão solitário pode ser esse ofício, o quão pedregoso e amedrontador pode ser o processo de escrita de algo que pode impactar diretamente o trabalho de outros artistas e as relações interpessoais implicadas nesse trajeto. Os encontros do QQ são uma tentativa de minimizar essa e outras solidões.

Seja nesses encontros, seja nas aulas da disciplina de Crítica Teatral, seja nos eventos organizados pelo grupo, seja participando de outros eventos e lendo outros textos, seja no cotidiano da manutenção de um site, é assim que se vai formulando e reformulando um projeto crítico: uma crítica na qual todes possam expressar e desenvolver suas opiniões, pesquisas e questões, evitando basear-se em pré-julgamentos, fugindo do status avaliativo e validador de uma crítica-juiz/crítica-polícia. Uma crítica que possibilite também uma escrita poética – caminhando junto com seu caráter informativo/jornalístico/histórico –, uma crítica que ouça e olhe para a obra e para o que está nela, uma escrita a partir de e para todos os formatos de artes e criações, aberta para o desenvolvimento de perspectivas plurais. A qrítica (com Q), aqui, é um exercício vivo de escrita (de grafia, em seu sentido mais amplo), uma escrítica, onde interessa mais a aventura do como, do o que e do com quem é dito, e menos as formatações e padronizações de uma crítica-bem-feita. A arte da escrítica como produção de uma poética-política do momento em que vivemos, de um canal por onde se possa estimular e fluir a liberdade de expressão e de diálogo – uma liberdade qualificada e conectada com seu entorno, uma liberdade ética –, friccionando e compartilhando tudo aquilo que pode emergir no fenômeno da experiência artística. 

Além das críticas, o site também possui uma seção dedicada aos “Processos de Criação”: um espaço aberto para que artistas publiquem textos e outros materiais reflexivos sobre seus próprios trabalhos, pesquisas, projetos e inquietações. Uma crítica em primeira(s) pessoa(s), autoanalítica, abrindo ao público do site os meandros de suas criações, os caminhos e descaminhos de suas investigações, as polifonias de suas obras. Muito do que é publicado nessa seção é fruto de Trabalhos de Conclusão de Curso, de relatórios de estágios de montagem e outras atividades curriculares e extracurriculares do bacharelado e da licenciatura em Teatro, bem como resultados parciais de pesquisas desenvolvidas por professores e outros colaboradores. Um espaço de respiro poético em meio às demandas formais e acadêmicas que seus autores muitas vezes se veem submetidos. Junto com as Críticas, os Processos de Criação fazem parte deste corpo crítico que vem engatinhando nos últimos anos. Corpos e críticas polimorfas, polifônicas, polissêmicas, polivalentes. Como diz o texto de apresentação do site:

 

Qorpo Qrítico: uma crítica com corpo, no corpo, com corpos, com qorpos santos e não-santos de todos aqueles que participam daquilo que chamamos de cena: artistas, espectadores, técnicos, alunos, professores, pesquisadores, instituições, financiadores, críticos, curadores, curiosos e além. (Seção “Quem somos” do site Qorpo Qrítico)

 

E para nomear o lugar dessa escrítica encarnada, escolhe-se um nome que traz não apenas um corpo, mas um qorpo disruptivo e inflamável, um corpo estranho que se insurge e, ao mesmo tempo, se insere no contexto da cidade onde estamos e que nos acolhe – a Porto Alegre bonita e bairrista, capital do estado mais ao sul do sul do Brasil, com suas grandes águas e suas grandes contradições –, embaralhando consoantes e certezas pré-estabelecidas:

 

Qorpo Qrítico – o Q em referência e homenagem ao dramaturgo e crítico gaúcho Qorpo Santo, importante figura do teatro brasileiro – surge como espaço aberto para o exercício e a experimentação da crítica enquanto diálogo, reflexão, provocação, mediação, registro e divulgação da produção cênica local e nacional, em especial na cidade de Porto Alegre. (Seção “Quem somos” do site Qorpo Qrítico)

 

O nome Qorpo Santo também é emprestado da sala de teatro presente no Campus Centro da UFRGS, administrada pelo Departamento de Arte Dramática, utilizada pelo curso de Teatro e também como sede das já citadas Mostra TPE e Mostra DAD: a Sala Qorpo Santo (teatro), ao lado da Sala Redenção (cinema), em frente ao Centro Cultural da UFRGS. Um Q, portanto, que evidencia toda uma rede de conexões e atravessamentos históricos, estéticos, institucionais. Um Qorpo e uma Qrítica atentos a essas conexões e atravessamentos. Um Q dobrado – QQ –, um Q que sempre indaga, que sempre pergunta, letra/pronome/conceito que.

Trocadilhos à parte, o QQ pretende-se a tudo isso, mas com a modéstia de saber que tudo é projeto e processo, construção, desvio e trabalho (ainda por fazer). O QQ é e será, o QQ está sendo, mesmo que de viés. E, modéstia à parte, o QQ insiste em ser esse pequeno intruso na máquina institucional de uma universidade federal de porte gigantesco: o endereço eletrônico www.ufrgs.br/qorpoqritico, com domínio e hospedagem garantidos pela instituição, marca essa vinculação ironicamente oficial. Se o DAD é o menor departamento dentro de uma das menores unidades da UFRGS, o Qorpo Qrítico aproveita essa pequenez para ser, de fato, menor – em termos deleuzeanos. E sendo menor, infiltrar-se sorrateiramente no sistema burocrático de pró-reitorias, setores e institutos, esgueirando-se pelas suas frestas e abrindo espaços de encontro e convívio, espaços de dissenso e problematização, de respiro e provocação, de gozo e maravilhamento artístico1

A universidade pública (gratuita, laica e de qualidade) é um espaço importantíssimo na nossa sociedade, capaz de resistir aos mais abjetos ataques obscurantistas e neoliberais, e proporcionar um ambiente viável para o ensino, a pesquisa e a extensão tão necessárias ao país, em diversos níveis. E é verdade, inclusive, que a história da crítica moderna brasileira está intimamente ligada às universidades e sua produção de conhecimento, junto com veículos de comunicação como jornais e revistas oficiais e independentes. No entanto, também é certo que o ambiente acadêmico pode ser bastante hostil e limitador a epistemologias, corpos e subjetividades não hegemônicos (que não se encaixam ou reverenciam o padrão branco-masculino-cis-erudito-europeu-colonizador), mesmo dentro de cursos de artes e humanidades. Portanto, iniciativas que busquem ampliar esses espaços e interlocuções, acolhendo e estimulando pensamentos e ações dissidentes, são mais do que necessárias. Ações que se instalam no interior do sistema, subvertendo-o, transformando-o, tornando-o mais humano e plural. O QQ é apenas uma dessas iniciativas, dentro e fora da engrenagem universitária e profissional, dentro e fora do campo da crítica, entendo seu papel pequeno, mas não menos relevante no processo de atualização histórica e política da arte, do estado e da sociedade brasileira.

Nesse sentido, e saindo da plataforma do site, a equipe do QQ realiza o evento Conversas Qríticas, convidando críticas e críticos para uma visita – pública e aberta a quem quiser participar – à disciplina de Crítica Teatral, para conversar sobre suas atuações no universo da crítica e quaisquer outros temas pertinentes. Na primeira edição, realizada antes mesmo do lançamento do site, em 2018, foram convidados os então integrantes do Agora Crítica Teatral (RS): Michele Rolim, Renato Mendonça e Carlinhos Santos. Em 2021, já em formato virtual, a segunda edição recebeu Daniele Avila Small (Questão de Crítica, RJ), Soraya Martins (Horizonte da Cena, MG), Francisco Mallmann (Bocas Malditas, PR) e Dodi Leal (MITsp, SP / UFSB, BA). As Conversas Qríticas – agora em parceria com o Descurso das Artes, coordenado por Chico Machado, também do DAD/UFRGS – buscam fortalecer laços com críticos/artistas/sites/veículos do Rio Grande do Sul e de outras regiões do país, abrindo as portas da universidade para o debate e o compartilhamento de saberes, práticas, experiências e propostas. Cada um dos críticos-artistas convidados, cada um dos sites por eles alimentados, são exemplos dessas táticas epifânicas de ação estética e política, zonas autônomas (mais ou menos) temporárias de produção de vida e de beleza frente aos horrores do nosso tempo. Em breve, a terceira edição ampliará o raio de abrangência, entendendo que é na união dos pequenos e múltiplos agires que podemos encontrar acolhimento, estímulo e força para o enfrentamento da barbárie e para a resistência criativa dentro turbilhão da vida.

Também em 2021, segundo e angustiante ano da pandemia e do distanciamento social, o QQ decide inserir-se em mais um ambiente virtual, para além da proteção www da plataforma institucional: as redes sociais, em especial o Instagram. Em uma ação coordenada pela aluna-bolsista Juliana Strehlau, o perfil do QQ atua como um divulgador de obras artísticas, eventos, cursos, materiais diversos e afins, perfis de artistas pesquisadores e demais profissionais, e (por que não?) memes sobre a vida teatral (criados especialmente pela equipe), inundando os stories e o feed dos nossos quase mil seguidores, sempre engajados, ao longo do dia. Além de compartilhar as críticas publicadas no site. Movendo-se na velocidade, efemeridade e conectividade loucas das redes sociais, o QQ abre uma nova frente de atuação e se vê como veículo potencializador de fluxos e informações. Entrar no jogo e chamar para o jogo, divertindo-se com as regras insondáveis dos algoritmos (alô, Zuckerberg!), inserindo em sua lógica maquínica uma não-lógica artística, uma lógiqa qrítica e deliciosamente anárquica. 

Talvez não seja possível mensurar o alcance e a eficácia concreta de tais ações (não só as do QQ, mas de tantos coletivos, no Brasil e além), de tais hackeamentos crítico-poéticos no funcionamento impiedoso da internet e dos aplicativos, mas, mesmo assim, vale a pena enfrentar (mesmo que de mãos dadas) esse belo monstro. Levando em conta, inclusive, situações constrangedoras de “contra-hackeamento”, como no caso do desaparecimento do site Bocas Malditas: por um atraso pontual no pagamento dos custos de domínio e hospedagem, o site foi sumariamente retirado da internet pela empresa que o hospedava, perdendo todo o conteúdo postado ao longo de 04 anos, obrigando seus editores a buscarem sites que capturam e registram periodicamente outros sites (numa espécie de “contra-contra-hackeamento”), para tentar recuperar parte do material e dar um novo destino a ele. Ao contrário do que se pode pensar, em tempos de metaverso, a internet não é pública e nem “para sempre”: estar “na nuvem” não é necessariamente sinônimo nem garantia de permanência, muito menos de pertencimento.

 No entanto, somado às demais ações dentro e fora das redes, nas virtualidades e nas presencialidades tão caras ao teatro e seus afins, mesmo assim, tais infiltrações são e sempre serão nossas armas de guerra, nossos mutirões de formiguinha, nossas luzes de vaga-lume, nossas esperanças (aquela esperança paulo-freireana, esperançar) de uma sociedade e um mundo melhor. Não podemos ser ingênuos a ponto de acreditar que iremos revolucionar o mundo com nossos sites ou nossos posts no Instagram, mas também não devemos ser resignados a ponto de não acreditar em nossas próprias vozes e de aceitar que não há vida possível diferente da vida capitalisticamente medíocre que levamos. 

A professora brasileira Rita von Hunty, no vídeo “Esperança e Imaginação Política”, publicado em seu canal Tempero Drag, no YouTube, baseia-se em obras de Paulo Freire, Raymond Williams, Ursula Le Guin e Nora K. Jemisin para nos lembrar que a alegria, a esperança e a imaginação política são instrumentos fundamentais para que consigamos resistir e, mais importante, imaginar e criar novas possibilidades de sociedade e de mundo. Novos e desejosos “e se?” que projetam futuros e alternativas em tudo diferentes do crescente fascismo que se esforça para se enraizar em nossos afetos e em nossos dias. Já a pesquisadora e curadora Suely Rolnik, ao alertar sobre dos perigos da cafetinagem tanto do capitalismo fordista-fascista quanto do capitalismo cognitivo-neoliberal, nos indica o poder criativo e revolucionário da arte, da antropofagia (“a alegria é a prova dos nove”, já dizia Oswald de Andrade) e das práticas micropolíticas, geradoras de vida e movimento. Imaginar, esperançar e cultivar a alegria – artisticamente, micropoliticamente – são formas de hackear o sistema capitalista atual, encontrando em seu interior (pois estamos dentro dele, queiramos ou não) possíveis formas de aceleração da sua ruína. Nesse contexto, exercitar e difundir uma postura crítica – seja uma crítica de arte, seja uma arte de crítica – é promover, lembrando Michel Foucault, “a arte de não ser de tal forma governado”. Nada mais urgente e necessário.

Em sua breve existência na rede mundial de computadores, o Qorpo Qrítico joga seu qorpo no mundo, buscando se conectar e se misturar com toda essa rede (com essa farofa) de ações e contribuir – da sua maneira, com suas possibilidades, com suas limitações – na construção e na vivência dessa utopia. Seguimos: atentos, alegres e esperançosos. 

 

NOTA DE RODAPÉ

1Mais informações sobre o projeto podem ser conferidas em dois vídeos produzidos para o Salão de Extensão da UFRGS, em 2020 e 2021, respectivamente: <https://www.youtube.com/watch?v=GKqkd62T_Vc> e <https://www.youtube.com/watch?v=LHwi2obv4dU>. Além disso, o editor Henrique Saidel aborda alguns aspectos da iniciativa, em conversa com Dodi Leal e Julia Guimarães, no podcast “Crítica em Movimento”, do Instituto Itaú Cultural, mais especificamente no “Episódio 5: Qual é o lugar da resistência na formação da crítica?”.

 

REFERÊNCIAS

FOUCAULT, M. O que é a crítica? Paris: Société française de philosophie, 1990. Disponível em: <http://portalgens.com.br/portal/images/stories/pdf/critica.pdf>.

ROLNIK, S. Geopolítica da cafetinagem. São Paulo: Rizoma.net, 2002. Disponível em: <http://virgulaimagem.redezero.org/rizomanet/>.

SMALL, D. A. O que é, mais uma vez, a crítica? Breve estudo sobre a crítica de teatro. Rio de Janeiro: Questão de Crítica, 2008. Disponível em: <http://www.questaodecritica.com.br/2008/06/o-que-e-mais-uma-vez-a-critica/>.

_______. Crítica de artista ou O crítico ignorante 7 anos depois. Rio de Janeiro: Questão de Crítica, 2016. Disponível em: <http://www.questaodecritica.com.br/2016/04/criticadeartista/>.

VON HUNTY, R. Esperança e Imaginação Política. In: Tempero Drag, 2021. Acessível em: <https://www.youtube.com/watch?v=iqI7ZHVniSg>. 

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