CONGOS DE COMBATE NA QUALIDADE DE VIDA DOS JOVENS BRINCANTES DE SÃO GONÇALO DO AMARANTE

Por Anny Kelly Gomes Dantas e Gláucio Teixeira da Câmara
13/07/2022

Resumo: O presente trabalho tem por objetivo difundir as contribuições dos Congos de Combate de São Gonçalo do Amarante, ressaltando suas concepções históricas, orais e identitárias, bem como sua organização social, as percepções acerca do lazer, e o que o brinquedo significa na qualidade de vida das pessoas que dele participam. Também pretende-se analisar de que forma a linguagem da cultura popular, em torno das relações estabelecidas em grupo, fornece aos indivíduos desta atividade meios de exteriorizar suas crenças, memória, sentidos, valores e pertencimento.  

 

Palavras-chave: Congos; Cultura Popular; São Gonçalo do Amarante; Lazer; Memória. 

         

O Congo é uma manifestação popular herdada dos escravos brasileiros. Não há registros de grupos semelhantes na África. A dança era incentivada pelas autoridades para manter a ordem nas senzalas. É que os negros se confortavam em assistir seus reis coroados nas congadas. Há várias vertentes do Congo praticadas de Norte a Sul do país, que reúnem elementos temáticos africanos e ibéricos, transformados em cortejo real.

A manifestação, que foi incorporada na nação brasileira desde o princípio da colonização, constitui-se em um bailado dramático com canto e música, que conta a história da Rainha Ginga e da batalha do Rei Henrique Cariongo, rei do Congo, para libertação dos escravos naquele país.  

Segundo Câmara Cascudo (Dicionário do Folclore Brasileiro) “[...] a dança lembra a coroação do Rei do Congo e da Rainha Ginga de Angola, com a presença da corte e de seus vassalos. É um ato que reúne elementos temáticos africanos e ibéricos, cuja difusão vem do século XVII”.

 

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Fonte: Arquivo pessoal.

 

De acordo com Jaceguay Lins:

 

 As expressões congo, congada, congado, conguês, terno de congo, baile de congo, congo de máscaras, congo de calçola, rocongo, congo sinfônico, e outras que no âmbito da música recorrem às palavras congo ou congos, remetem, todas elas, ao antigo Reino do Congo, o maior império de que se tem notícia na África (LINS, 2009, p.30).

 

O Auto dramático dos Congos de Combate de São Gonçalo do Amarante RN mostra por meio de mitos, danças, ritmos e oralidades, a beleza da cultura popular e suas influências na formação do povo brasileiro. Este entrecho dramático é precedido das mais variadas cantigas: dobrados guerreiros, benditos de igreja, louvações aos santos padroeiros locais: São Benedito, Nossa Senhora do Rosário, Nossa Senhora Aparecida, São Gonçalo do Amarante e, ainda, de outras canções das mais diversas procedências, algumas denotando visível influência africana, pela presença de vocábulos de origem negra.

Os primeiros registros oficiais dos Congos em São Gonçalo se dão a partir dos anos 1970 pelo pesquisador e folclorista Deífilo Gurgel:

 

Quando comecei a me interessar pela cultura popular do Rio Grande do Norte, meu primeiro alumbramento foi a descoberta do universo folclórico de São Gonçalo do Amarante. (GURGEL, 2010, p. 121).

 

O primeiro Mestre dos Congos era João Fábio Bandeira ou simplesmente João Menino, que nasceu em Uruaçú, distrito de São Gonçalo do Amarante no início do século passado, e faleceu em São Gonçalo do Amarante, no dia 23 de junho de 1978, com mais de 70 anos de idade. João Menino comandou a Congada até o último dia de sua vida.

 

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Mestre João Menino. Foto do livro “Espaço e Tempo do Folclore Potiguar” (2008).

 

Nos anos 1980 é retomada a dança dos Congos com um antigo e conhecido brincante, o senhor Lucas Teixeira de Moura, natural do sítio Breu, lugarejo às margens do Rio Potengi. Mestre Lucas nasceu no dia 21 de abril de 1921 e iniciou suas brincadeiras aos oito anos de idade com os caboclinhos de Milharada. Atuou como contramestre do Boi Calemba de Pedro Guajiru, dançou Fandangos, Bambelô e Congos. Comandou esta segunda vertente de congada em São Gonçalo dos anos 1980 até 2008. Os problemas de saúde aliados à falta de interesse dos jovens paralisaram as apresentações do grupo. Mestre Lucas Faleceu no dia 11 de julho de 2010.

 

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Mestre Lucas. Fonte: Arquivo de Antônius Mansu.

 

No ano de 2010 após a morte do Mestre Lucas Teixeira, o contramestre do congo Sérvulo Teixeira, fez uma despedida emocionada anunciando:

 

“Os congos não podem parar”, e num momento inesperado fez um segundo anúncio na missa de sétimo dia de corpo presente de seu irmão dizendo que a sucessão ao mestrado de congo é agora de seu sobrinho neto Gláucio Teixeira de 28 anos (Tribuna do Norte, terça-feira, 20 de julho de 2010).

 

Cada mestre, a seu modo e a seu tempo, contribuiu e contribui para a manutenção desta importante expressão cultural são-gonçalense. Reconhecer esta manifestação como patrimônio cultural, identificando-a como direito dos povos e indivíduos é tornar esta herança possível às ações de salvaguarda dos agentes da própria comunidade. Os mestres, com todo seu esforço e com grande saber, através da oralidade, preservam essa herança e com ela sua identidade, seus valores culturais, a história e suas raízes.

Desse modo a cultura popular representa não só uma mediação simbólica e conceitual sobre determinado aspecto artístico, ela é antes de tudo uma fonte inesgotável de saberes, relações sociais, maneiras de ser, fazer e refazer a vida.

A menção do Congo não está no Brasil precisamente pelo envio da massa escrava durante anos ininterruptamente embarcada nos portos de Angola, mas, essencialmente na continuidade dos valores humanos que o homem congo, o Pai Congo, representou nos séculos de cativeiro e, depois de livre, na colaboração afetuosa no espírito popular. A existência funcional das Congadas é uma impressionante comprovação dessa vitalidade que encontrou no sentimento brasileiro os impulsos de conservação e repercussão positivas. (CASCUDO, 2002, p. 31).

Identificamos que até o presente momento, essa atividade cultural carece de uma sistematização e catalogação de caráter científico e pedagógico que possibilite uma transmissão real e consciente desta manifestação popular, e uma efetiva incorporação nas ações escolares como forma de disseminar uma educação popular nos jovens, além de sua inclusão nas ações festivas e culturais do estado e dos municípios do Rio Grande do Norte, em especial São Gonçalo do Amarante, como meio de reconhecer e promover a cultura popular enquanto traço identitário da luta de um povo e sua história de resistência.

Para a comunidade e para os brincantes dos congos de São Gonçalo do Amarante, esta manifestação, tem um sentido que vai muito além de todo o enredo histórico advindo da África com contribuições religiosas da cultura Ibérica, contado pelos livros. Os brincantes (em sua maioria trabalhadores rurais) veem na brincadeira um momento onde eles esquecem a dureza do cotidiano e encontram espaço de memória individual e coletiva, cada um com suas histórias e vivências que junto com os outros componentes do grupo a revivem, tendo a  preocupação de manter viva a memória dos mestres e de outros brincantes mais antigos, pois cada qual a seu modo e há seu tempo contribuiu e contribui para a manutenção desta importante expressão cultural são-gonçalense e que através da oralidade, preservam sua identidade, seus valores culturais, a história  e suas raízes.

Constatou-se ainda que diante destas observações, reitera-se a necessidade de continuar aprofundando os estudos relacionados à cultura popular e afro-ameríndia, suas expressões corporais, artísticas e humanas.

 

REFERÊNCIAS

AMARAL, Rita. A formação da festa “à Brasileira. In: Festa à Brasileira: Sentidos do festejar no país que ‘’não é sério’’. São Paulo, 1998. Tese de doutorado em Antropologia Social da Universidade de São Paulo.

 

CASCUDO, Luís da Câmara. Made In Africa: pesquisa e notas. 4. Ed. São Paulo, 2002.

 

Documentário sonoro do folclore brasileiro n° 25 – Congos de Saiote /São Gonçalo do Amarante/RN, 1977.

 

DIAS, Teixeira, Raquel. “Foi São Benedito quem me trouxe aqui’’: devoção  e tradição entre congadas e moçambiques do Vale do Rio de Janeiro: IPHAN, CNFCP, 2012.

 

GURGEL, Deífilo. GURGEL, Tarcísio; VITORIANO, Vicente. Introdução à cultura do Rio Grande do Norte. João Pessoa, PB: Editora, 2003.

 

GURGEL, Deífilo. São Gonçalo do Amarante: O país do folclore: 300 anos de história. Natal: Prefeitura Municipal de São Gonçalo do Amarante, 2010.

 

______. Espaço e tempo do folclore potiguar. 3. ed. Natal: Governo do Estado, 2006.

 

______. Danças folclóricas do Rio Grande do Norte. Natal: Editora Universitária 1982.

 

LINS, Jaceguay. O congo do Espírito Santo: uma panorâmica musicológica das bandas de congo. Vitória: [s.n.], 2009.

 

VICENTE, Severino. Folclore e cultura popular nas práticas pedagógicas. Fortaleza: Editora IMEPH, 2010.

 

Foto do banner: arquivo do Cena Potiguar/UFRN

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